06 dez Nota conjunta de repúdio: ajuste fiscal (Projeto de Lei 4614/2024) que afeta o direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC)
As organizações que assinam essa nota, de distintas naturezas – autárquicas, associativas, federativas, sindicais, de movimentos sociais, coletivos e outras – vêm expor o posicionamento contrário às medidas de ajuste fiscal, materializadas no Projeto de Lei (PL) nº 4614/2024 (de autoria do deputado José Guimarães – PT/CE), que retira direitos garantidos no Artigo 203, inciso V da Constituição Federal de 1988 e propõe, especialmente, alterações de grande vulto para acesso e permanência de pessoas idosas e pessoas com deficiência no Benefício de Prestação Continuada (BPC), especialmente de pessoas negras e periféricas – que configuram os setores historicamente mais precarizados no acesso a direitos no país.
O BPC, como conquista constitucional, é a garantia de 1 salário-mínimo para pessoas com deficiência e pessoas idosas que possuem renda familiar per capita inferior à ¼ de salário-mínimo. Dentre as pessoas idosas, estão trabalhadores(as) que, pelo tempo incompleto de contribuição à Previdência Social para a aposentadoria e impossibilidade de sustento e acesso ao mundo do trabalho, recorrem ao benefício assistencial. O BPC substituiu e qualificou a “Renda Mensal Vitalícia”, criada em 1974, um direito do(a) trabalhador(a), que era sucessório a dependentes e passou a ser pessoal e individual.
Trata-se de um benefício que concretiza o direito à segurança de renda no âmbito da política de assistência social e, como tal, deve ser afiançado pelo Estado brasileiro na perspectiva democrática da cidadania e de ampliação de acessos, em detrimento do caráter meritocrático e de “gestão da pobreza” que vem sendo imposto pelo Estado Neoliberal.
Desde sua implementação (1993), esse benefício sofre ameaças e ataques por setores conservadores e neoliberais da sociedade brasileira, que são contrários aos direitos da classe trabalhadora. Mas, como frente a essas ameaças, o BPC possui forte mobilização social para sua defesa e ampliação.
Em 2024, as disputas se acirram e, em resposta a pressões do chamado “mercado”, as propostas de ajuste fiscal do governo federal recaem sobre beneficiários(as) do BPC de maneira arbitrária, injusta, violadora de direitos e ameaçadora das condições de vida da população. Instala-se confronto direto com objetivo nacional e internacional de combate à pobreza, à miséria e à fome.
O PL 4614/2024, em seu inteiro teor, revela que os interesses capitalistas (do tal “mercado”) se sobrepõem nas decisões do Estado brasileiro, em detrimento da vida da classe trabalhadora, da qual expressiva parcela só tem o BPC como oportunidade de sobrevivência. As alterações propostas, sem qualquer debate com a sociedade e com incidência política para votação aligeirada e em caráter de urgência, estão na perspectiva de ELIMINAÇÃO de direitos e, ainda, reforçam uma concepção capacitista, familista e moralizadora da população beneficiária, aviltando princípios fundamentais de defesa da vida e da autonomia para todas as pessoas.
Quando impõe barreiras tecnológicas para acesso e permanência do benefício – a exemplo do cadastro biométrico e da atualização cadastral sem investimento para viabilizá-la – o PL impede que beneficiários(as) elegíveis tenham acesso ao benefício. Quando limita o aumento real do salário-mínimo, além dos custos disso para amplos setores da classe trabalhadora, anuncia, no tempo, graves prejuízos à segurança de renda, afiançada pela política de assistência social, das(os) beneficiárias(os) para suprirem suas necessidades básicas.
De modo inconsistente, de baixa sustentação jurídica, social e científica, altera a definição de família, substituindo o direito de cidadania por uma perspectiva que reduz pessoas idosas e com deficiência a “infra cidadãs”. Tal alteração está, na verdade, criando estratégias atabalhoadas para reduzir o acesso ao BPC, podendo gerar maior morosidade no reconhecimento desse direito, ampliando a demanda (que já é alta) de judicialização, que onera o Estado brasileiro em tempo e orçamento.
Ao mudar a conceituação de pessoa com deficiência e impor a ela a condição de “incapacitada para a vida independente e para o trabalho”, o PL, vergonhosamente capacitista, retrocede na defesa dos direitos humanos, viola tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, desconsidera a Lei Brasileira de Inclusão (LBI/2015) e, consequentemente, todo o histórico de lutas das pessoas com deficiência e todas as alterações em legislações posteriores que reconhecem a Classificação Internacional de Funcionalidade e Saúde (CIF), no processo de avaliação do grau de impedimento. O retorno ao “ato médico” significará o ponto que, talvez, mais excluirá pessoas do acesso ao benefício.
O PL busca revogar a justa regra que não contabiliza a renda de um BPC já concedido e de outros benefícios da seguridade social de um membro da família, para a elegibilidade de outro membro ao BPC, dificultando o acesso ao benefício para famílias com múltiplos membros em situação de pobreza.
As medidas de ajuste fiscal prometem o equilíbrio das contas públicas, mas entregam aprofundamento da desigualdade! Prometem equidade no trato das medidas para todos os setores da sociedade, mas, entregam, com requintes de perversidade e de reprodução do racismo estrutural, sufocamento nas condições de vida, em especial de mulheres negras que são a maioria das beneficiárias e, também, das figuras de cuidadoras de pessoas idosas e pessoas com deficiência desse país, com ênfase nas desigualdades territoriais que impactam de forma ainda mais evidenciada as regiões norte e nordeste.
Essas medidas afetam toda a população e se expressam (e isso se aprofundará) nas demandas que emergem no contexto dos serviços públicos, em especial, do INSS e do SUAS, gerando descrédito nos direitos sociais, sobrecarga para trabalhadores(as), ampliação de intermediadores que atravessam os direitos da população e, ainda, fome, miséria, violência e desumanidade àqueles(as) que, por obstáculos institucionais, não conseguirão mais acesso ao BPC. Essas expressões poderão, ainda, impactar no aumento de demandas para medidas de acolhimento em Instituições de Longa Permanência para Idosos(as) – ILPIs, que, no conjunto das 1831 existentes no Brasil, possui um custo por pessoa de, aproximadamente, 5X o valor do BPC. Desse modo, essas medidas criam mais desproteção, maior desigualdade e geram muito mais demandas e necessidade de custeio para as políticas sociais.
Estas mudanças no BPC, não só vai impedir o acesso de milhares de pessoas idosas e com deficiência, como vai retirar o benefício de várias pessoas com as revisões já anunciadas pelo governo a partir destas novas “regras”.
O ajuste fiscal proposto não é compatível com o mote de reconstrução do Brasil, afiançado pelo Governo Federal, ao contrário, seu mérito destrói direitos conquistados. O PL não oportuniza comida no prato de todo povo brasileiro, defesa feita recentemente pelo Governo Federal junto ao G-20, ao contrário, tira possibilidades de subsistência das pessoas que mais necessitam. O PL VAI GERAR FOME!
A crítica a tais medidas tem conteúdo histórico, de entidades e sujeitos que constroem os direitos sociais no Brasil há muitas décadas. Em hipótese alguma, ela pode ser confundida com as defesas oportunistas de setores do “centrão”, da direita e da extrema direita que usam essas contradições para ataques não só ao Governo Federal, mas, ataques aos movimentos que lutam por direitos sociais. É preciso que haja coragem para que o Estado brasileiro assuma, de fato, a direção em defesa do povo e essa nota reivindica isso!
Os interesses neoliberais não são os interesses da classe trabalhadora, que não pode pagar com a vida por uma conta que nunca fechará sob o viés do lucro sobre o lucro, da exploração sobre a exploração. Por essas razões, o PL 4614/2024 não pode prosperar e, esse conjunto de organizações, exige sua imediata RETIRADA da tramitação na Câmara dos Deputados.
A proposta contida no PL 4614/2024 afronta o Estado Social brasileiro, o que faz dela uma estratégia, o que faz dela uma estratégia de injustiça social, em seu caráter racista, capacitista, misógino, patriarcal e etarista.
Brasil, 5 de dezembro de 2024.
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Entidades signatárias (atualizado em 5/12/2024)
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS
Conselho Federal de Psicologia – CFP
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS
Coletivo Serviço Social Anticapacitista
Frente Nacional em Defesa do SUAS e da Seguridade Social
Fórum Nacional dos Usuários do SUAS – FNUSUAS
Fórum Nacional de Trabalhadores do SUAS – FNTSUAS
Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social – FENASPS
Federação Nacional dos Assistentes Sociais – FENAS
Federação Nacional das(os) Psicólogas(os) – FENAPSI
Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais – ABRATO
Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social – ENESSO
REDE Nacional Internucleos da Luta Antimanicomial – RENILA
Fórum de Articulação Nacional de Entidades e Organizações de Caráter Sindical – FANTSUAS
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social da CUT – CNTSS/CUT
Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal – CONFETAM
Central de Trabalhadores(as) do Brasil – CTB
Movimento Nacional de Entidades de Assistência Social – MNEAS
Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP
Instituto EcoVida
Fórum Estadual de Trabalhadores(as) do SUAS – FETSUAS-SP
Fórum Estadual de Trabalhadores(as) do SUAS – FETSUAS-RS
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-SC
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-AP
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-SP
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-DF
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-RJ
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-CE
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-MA
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-BA
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-RS
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-SE
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-PA
Fórum Estadual de Usuários(as) do SUAS – FEUSUAS-RO
Frente Gaúcha em Defesa do SUAS e da Seguridade Social
Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde
EcoVida SE
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de MG -ASUSSAM/MG
Associação de Usuários, Familiares e Amigos da Luta Antimanicomial de Palmeira dos Índios/AL – ASSUMPI/AL
Associação Loucos Por Você – Ipatinga/MG
Fórum Cearense da Luta Antimanicomial/CE
Fórum de Saúde Mental de Maceió/AL
Fórum Gaúcho de Saúde Mental/RS
Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba – FLAMAS/SP
Fórum Mineiro de Saúde Mental/MG
Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos/MG
Movimento da Luta Antimanicomial/PA
Movimento Pró-Saúde Mental/DF
Núcleo de Estudos Pela Superação dos Manicômios – NESM/BA
Núcleo de Mobilização Antimanicomial do Sertão – NUMANS/PE-BA
Fórum Alagoano de Saúde Mental
Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial Libertando Subjetividades/PE
Conselho Regional de Serviço Social 14ª Região – RN
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Fundo Público, Orçamento, Hegemonia e Política Social – FOHPS-UnB
Observatório do Fundo Público
Grupo de estudos e pesquisa em Territórios, Movimentos Sociais, Politica e Serviço Social
Associação dos Estudantes de Roraima – ASSOER
Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde, Sociedade e Política Social – GEPSaúde/UnB
COMPASS- Grupo de estudos, pesquisa e extensão sobre Comunicação Pública, Assistência Social e Serviço Social
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Maternidades, Parentalidade e Sociedade – GMATER
Fórum de Trabalhadores(as) do SUAS – FETSUAS ES
Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas – RENFA
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
Coletivo Negro Lélia González – Nova Friburgo/RJ
Universidade Anchieta
UnB – Departamento de Serviço Social
ANAPcD – Associação Nacional de Apoio às Pessoas com Deficiência
GEDUSSC UnB
Diário PcD
Grupo de Pesquisa TEDIS/UNB
LÓTUS- Grupo de Estudos dos Fundamentos da Política Social e do Serviço Social/DSS/PPGPS/Ufes
Sindicado dos(as) Assistentes Sociais do Ceará – SASEC
SOS CORPO Instituto Feminista para a democracia
Conselho Regional de Serviço Social 21ª Região – MS
Associação Vida e Saúde AVISA
Associação dos Cadeirantes da Cidade Operária – ACACO
SOS Vargem das Flores – Contagem/MG
Sindicato dos Técnicos Administrativos da UFRGS, UFCSPA e IFRS – ASSUFRGS
Rede de Desenvolvimento Humano – REDEH
Grupo de Pesquisa sobre Movimentos Sociais, Controle Democrático e Financiamento da Saúde – GEMCOF/UFMT
Comunidade Cristã Nova Vida
SOF Sempreviva Organização Feminista
Marcha Mundial das Mulheres
Grupo Solidariedade do Estado de Minas Gerais
Rede de Mulheres Negras de Pernambuco – RMNPE
União de Maternidade Atípica – UMA
Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro
Fórum de Mulheres do ES
Coletivo de Mulheres do Calafate – CMC
Coletivo Mães Eficiente Somos Nós – MESN
Comunidade Indígena Carajá de Minas
FMusuas de Florianópolis
Laboratório de Políticas Públicas do Distrito Federal –LabPoP
Associação de mães e familiares de crianças e adultos especiais de Timon- AMFCAET-MA
Curso de Serviço Social – Unimontes –MG
CAPEDAC – Centro de Apoio à Pessoa com Deficiência do Acre
Fórum Estadual dos Trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social de Mato Grosso. FETSUAS/MT
Batucada feminista de Blumenau/MMM