O gueto exportado para as artérias da cidade

Nos prédios mais altos ou em pequenos muros, as marcas estão lá. Os rabiscos que não produzem sentido algum para quem passa pelas vias públicas, têm pluralidade de significados para seus autores. Movimento que tomou as ruas no começo da década de 70, nos Estados Unidos, se popularizou em vielas, muros, prédios e casas do mundo.

A pixação foi o tema debatido no seminário “Juventude e Pixação – Marcar/ Ser Marcado”, realizado no dia 4 de julho, pelo Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG). A prática se tornou símbolo de “vandalismo e rebeldia”, termos usados por uma sociedade que se globaliza rápido e se esquece do contexto da realidade alheia. Uma forma de dar voz ao silêncio de sua comunidade? Vandalismo? Ou puro passa tempo da juventude?

Criminalização

Com o tema “A crítica do pior: criminalização”, a primeira mesa do seminário foi composta pela psicóloga e psicanalista, Joana Ladeira; pela psicóloga e especialista em Gestão Social, Flávia Soares; pelo psicólogo e psicanalista, Guilherme Dell Debbio; além dos debatedores Musso Greco, psiquiatra e psicanalista, e Luiz Carlos Garrocho, filósofo e pesquisador e criador cênico.

No Brasil, foram atribuídas divergentes conotações ao pixo e ao grafite. Os dois movimentos tendem a criar discussões sobre o limite da arte, sendo que o primeiro é considerado transgressivo e predatório, já o segundo é aceito socialmente como forma de expressão artística. “Diferença que na literatura estrangeira não existe”, afirma a diretora de projeto da Pacto Desenvolvimento Social e Pesquisa, Joana Ladeira, em sua pesquisa “A arte como o crime o crime como a arte”. O estudo, baseado no livro de Gustavo Lassala – “Pichação não é Pixação”, trata dessa divergência como um “fenômeno tipicamente brasileiro”.

O psicanalista Guilherme Dell Debbio destacou o uso político do pixo, enquanto manifesto. “Nós aqui presentes sabemos que a voz de um sujeito, de um cidadão, não pode ser criminalizada, e sim, ao menos escutada”, explica. Para Debbio, trata-se de uma ética em jogo, que pode levar a uma forma mais democrática de se pensar a cidade.

Estudos sobre o movimento do pixo foram apresentados, que também abordou os aspectos importantes de como esse movimento é visto e tratado pelo poder público e pela sociedade. Para Cristiane Barreto, que integra a coordenação geral do evento, “é nosso dever ético ancorar as invenções no ponto de singularidade de cada um, no campo do outro. Como que cada um faz para se inscrever na cidade, para inscrever sua marca”.

Ainda durante a primeira mesa, Flávia Soares trouxe o vandalismo como tema. Segundo Soares, existe uma criminalização desses jovens por parte de grupos dominantes. “Os pixadores marcam a cidade, mas são marcados, principalmente, pela forma como o poder público lida com eles”, afirma. Exemplo disso foi a prisão do grupo “Os piores de Belô”, em 2010, acusados de formação de quadrilha. O caso evidencia que o Estado tem criminalizado grupos segregados, que, através do pixo, tentam dar voz “à sua quebrada”, principal finalidade dos grupos de pixadores.

Para a especialista em gestão social, a pixação não tem em si o próprio desvio. “O desvio consiste no processo de interação entre a classe dominante para com esses grupos. A pixação vai ser um produto de rotulagem através dessas aplicações de regras, sansões e punições”, explica.

Assimilação

Com o tema “Crítica da moral: assimilação”, a segunda mesa do seminário contou com a presença de Paulo Rocha, formado em filosofia e teatro; da psicanalista e professora da Faculdade de Direito da UFMG, Ludmilla Zago; e com os debatedores Sérgio Mattos, psicanalista e membro da Associação Mundial de Psicanálise; e Rogério Bettoni, professor de artes e filosofia.

A mesa teve início com Ludmilla Zago, que agradeceu aos que não puderam comparecer ao seminário, mas estavam acompanhando o evento pela internet, o qual foi transmitido em tempo real. Ludmilla abordou a crítica, a moral e a assimilação, discutindo a moral moderna, racional e capitalista, como sendo a razão da ignorância sobre a pixação.

Paulo Rocha se referiu a uma perspectiva ligada à antiarte, o que chamou de uma desvinculação entre arte e estética. Ele acredita que a pixação envolve os limites que separam arte e política. Paulo termina citando uma frase do filósofo francês Gilles Deleuze: “É verdade que o capitalismo manteve como constante a extrema miséria de 3/4 da humanidade, pobres demais para a dívida, numerosos demais para o confinamento. O controle não só terá que enfrentar a dissipação das fronteiras, mas também, a explosão dos guetos e favelas”.

 

Antes de passar a palavra ao professor de artes e filosofia, Rogério Bettoni, Cristiane Barreto, acrescentou à mesa a importância de manter um “mal estar” inerente à pixação, também defendido por Paulo Rocha.

Com a palavra, Bettoni declara que desde criança sente fascínio pelo pixo e outras manifestações de rua, bem como o olhar que tem o “gringo” sobre o pixo brasileiro, que define como sendo muito peculiar. O professor também fez uma crítica aos espaços ditos reservados aos pixadores, através do texto “Gozo Descafeinado” do sociólogo, filósofo e crítico cultural, Slavoj-Zizek.

O psicanalista Sérgio Mattos, discutiu a caligrafia – sob uma questão mais antiga, espaço e lugar. Mattos abordou algumas razões para a pixação, procurando uma “resposta mais apropriada e menos vingativa e policialesca”. Para isto, o psicanalista argumentou que o pixo é um modo de fazer aparecer e isso é do ser humano, desde os primórdios da criação. Sérgio também ressalta a importância do lugar, da ocupação do espaço, depositando algo de si, revelando um laço afetivo experimentado entre pessoas e lugares. O debatedor encerrou sua participação dissertando sobre a importância do pixo e revelando o quanto o fenômeno é necessário e fundamental. “Não adianta a polícia e o prefeito tentarem dizer que é uma falta de respeito, porque isso é da ordem do vivível, sem isso não é possível uma civilização sobreviver”.

Veja AQUI mais fotos do seminário “Juventude e Pixação – Marcar/ Ser Marcado”.



– CRP PELO INTERIOR –