24 ago Nota de Posicionamento dos Conselhos e Entidades da Área da Saúde
As profissões da área da Saúde, signatárias desta Carta, vêm posicionar-se contra o indicativo de Interdição Ética proposta pelo Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG) nos Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAMs) de Belo Horizonte. Tal intervenção foi notificada à Secretaria Municipal de Saúde no último dia 20 de julho de 2021, considerando vistorias realizadas durante o ano de 2020.
É legitima a intenção de um Conselho de Classe preocupar-se com as condições de trabalho dos profissionais que orienta e fiscaliza; porém ao longo do processo ficou nítida que a intenção do CRM é a disputa de narrativa, ou seja, são contra o modelo assistencial que preconiza o trabalho multidisciplinar, aberto, inserido na comunidade e dentro das diretrizes do SUS.
A ideia de uma interdição ética coloca em questão uma Política de atenção à saúde mental e não somente as condições de trabalho da equipe médica dos serviços substitutivos de Belo Horizonte. Tal intervenção ética não foi encaminhada ao Conselho Municipal de Saúde, local de construção, debate e decisão das políticas públicas de saúde, ao que se refere a política de saúde mental em BH. Soma-se aos questionamentos da forma de atuação o fato de que os profissionais médicos que trabalham nos CERSAMs, em sua maioria, não foram consultados quanto a este ato. Sublinha-se ainda que não faz parte dos Conselhos de Classe regular as políticas públicas, prerrogativa que escapa a qualquer autarquia profissional.
Atualmente a Rede de Atenção Psicossocial de Belo Horizonte (RAPS-BH) conta com cerca de 283 pontos de atenção e quase 3.000 profissionais. Profissionais das mais diversas formações que compõem um trabalho multiprofissional. Tratamento que se estabelece nas premissas da territorialidade, dignidade da pessoa humana, tratamento que visa a reinserção da família, geração de trabalho e renda, de forma comunitária. Assim são os serviços da RAPS: territoriais e de base comunitária, de oferta de cuidado em liberdade, cuidado artesanal, construído a várias mãos. Nesse sentido, acreditamos que nenhuma intervenção deverá ser defendida e proposta sem dialogar com tantas outras profissões que compõem a oferta do cuidado, a partir de uma lógica centrada no usuário, muito menos, quando esta intervenção tem efeitos negativos para os usuários da rede, comprometendo seu tratamento, como é o caso aqui em questão. A horizontalidade é ponto fundamental na Política da saúde mental antimanicomial, incluindo diversos atores: gestores, trabalhadores e usuários.
Deve-se considerar que a interdição ética proposta pode tirar os diversos profissionais dos postos de trabalho, provocando desassistência, inaceitável. A intervenção que o CRM-MG propõe não interfere somente na atuação dos profissionais de sua categoria, mas mudaria o modelo de assistência que BH construiu. Modelo esse, reconhecido nacional e internacionalmente frente a diversas Agências de Saúde. Um retrocesso no modelo do SUS, na saúde coletiva, tensionando para fortalecer um obsoleto modelo biomédico. Neste sentido, a intervenção do CRM-MG se aproxima muito mais da desconstrução do modelo de saúde mental reformista, centrada no sujeito que trata, e muito menos da preocupação com os profissionais médicos presentes nos serviços.
Trabalhamos em defesa de uma atuação multiprofissional, contrária a qualquer corporativismo em detrimento do trabalho multiprofissional. Defendemos que as profissões precisam construir intervenções integradas, articuladas de modo interdisciplinar o trabalho em saúde mental. Pelo que preconiza o SUS, nenhuma profissão decide a política pública, cabendo aos Conselhos Municipais de Saúde, papel decisório quanto a essas pautas. A Reforma Psiquiátrica consolidada no Brasil, estabelece com seus princípios uma mudança de paradigma, implicando os vários saberes na construção do trabalho. Mas cabe destacar a importância reservada a voz dos usuários, protagonistas neste processo, inclusive com cadeira assegurada nos Conselhos de Saúde. Os Conselhos Profissionais abaixo relacionados não compactuam com o desmonte da RAPS como propõe o CRM-MG em nome de uma suposta intervenção ética.
As intervenções éticas acontecem nos espaços democráticos de direito, onde todos podem posicionar-se frente a condução de uma Política de Saúde Mental. Intervenções de gabinete não representam esta rede viva e cidadã, elaborada por muitas mãos. As políticas públicas precisam se nortear pela ética do cuidado, como a RAPS de BH tem preconizado ao longo de décadas.
Belo Horizonte, 24 de agosto de 2021.