18 nov Entrevista: A importância de um olhar que transforma
Na véspera do dia em que a Consciência Negra é celebrada, a vice-presidenta do CRP-MG, Isabelle Pereira, reflete sobre o compromisso antirracista da Psicologia

Isabelle Pereira, conselheira vice-presidenta do CRP-MG
Vinte de novembro é um convite à reflexão sobre a luta, a resistência e as contribuições da população negra no Brasil. O dia foi escolhido em referência à morte de Zumbi dos Palmares, líder quilombola que se tornou símbolo da busca pela liberdade. Feriado nacional desde 2023, a data também reforça o quanto a sociedade ainda precisa avançar no combate ao racismo, na igualdade social e na defesa da vida e dos direitos das pessoas negras.
Nesse contexto, psicólogas e psicólogos têm papel fundamental. A Psicologia pode contribuir não só com o debate, mas com a escuta das dores e dos desafios vividos cotidianamente pelas pessoas negras. Reconhecer que o racismo é uma violência múltipla e buscar compreender de que forma ele estrutura a mente, gera sofrimento e impacta as relações etnico-raciais é um dos compromissos da Psicologia, em favor da saúde mental.
Para falar sobre a importância de uma prática psi antirracista, entrevistamos a conselheira vice-presidenta do CRP-MG, Isabelle Pereira.
Por que ser uma psicóloga ou um psicólogo antirracista?
Ser antirracista no Brasil é um dever de qualquer cidadão, porque isso diz simplesmente de reconhecer uma realidade: 55,7% da população brasileira se declara como preta ou parda. Essa população é maioria numérica no Brasil, e nessa realidade nossas necessidades e particularidades devem ser levadas em consideração. Não apenas na Psicologia, mas em todas as esferas sociais. Dentro da Psicologia, devemos lembrar que o sofrimento psíquico pode ser potencializado pela discriminação racial, dessa forma, é imprescindível que intervenções psicológicas levem esse fator em consideração.
Ansiedade, depressão, baixa autoestima e estresse pós-traumático em pessoas negras podem ser efeitos diretos do racismo e não apenas questões individuais?
Hoje sabemos que os diagnósticos clínicos têm causas multifatoriais, dentre elas causas genéticas, ambientais e individuais. E sem a menor sombra de dúvidas, o racismo estrutural entra nessa conta enquanto estressor psicossocial. Muitas vezes, essas violências só são percebidas quando, ao iniciar um processo terapêutico, esse indivíduo olha para trás e aprende a nomear as próprias emoções, os aspectos muitas vezes encobertos por familiares e professores na infância e, principalmente, a se reconhecer enquanto pessoa negra ou parda.
Na sua avaliação, a formação acadêmica prepara a(o) profissional psi para lidar com o racismo estrutural e suas diferentes manifestações?
Eu entendo a formação acadêmica como um processo contínuo de aprendizado, que não se limita aos 5 anos de graduação. Dito isso, é fundamental que cada profissional busque se atualizar sobre a racialização por meio de grupos de estudos especializados, leitura de autores e negros e dos povos originários, supervisão clínica, entre outros. Entretanto, nenhuma dessas formas de estudo é capaz de superar o que pode ser aprendido com a escuta das vítimas de racismo. Seja no SUS, SUAS ou consultório particular. É sempre importante lembrar que trabalhamos com indivíduos únicos e que precisamos sempre adaptar as estratégias de intervenção para o contexto em questão. E isso não é aprendido em sala de aula, isso é aprendido na prática, com escuta ativa e acolhimento.
Quais recursos (instrumentos ou técnicas) as(os) psicólogas(os) podem utlizar para avaliar e intervir no sofrimento causado pela discriminação racial e como garantir que eles não reforcem estereótipos ou estigmas?
O principal recurso que utilizo em consultório para lidar com o sofrimento causado pela discriminação racial é, antes de mais nada, a construção de um vínculo terapêutico seguro. Unida a ele, utilizo a escuta ativa, permitindo a expressão de emoções muitas vezes silenciadas pela sociedade. Quando é necessária uma intervenção, a descoberta guiada baseada em questionamento socrático é um ótimo recurso para navegar pelos cursos de ação possíveis frente à situação em questão. Em casos de auto responsabilização pela violência sofrida, lanço mão da reestruturação cognitiva para que a situação seja percebida como ela é: uma violência. Tudo isso cercado de muito acolhimento e validação emocional.
Por fim, qual é a importância de se discutir a saúde mental da população negra nos espaços públicos e de que forma o CRP-MG pode contribuir?
Pra mim, é mais do que lógico que essas discussões sejam promovidas em espaços públicos, justamente pelo que os dados nos mostram. A população negra e parda é mais da metade da população brasileira, porém ainda temos diariamente situações em que a violência racial acontece. O CRP-MG acredita que políticas públicas devem ser baseadas em dados. E, por isso, é nosso dever, enquanto autarquia maior da Psicologia no estado de Minas Gerais, promover e participar de debates que tenham como objetivo promover a saúde mental da população negra. Além disso, devemos fiscalizar a atuação ética da categoria, dando orientação às psicólogas inscritas, bem como punindo práticas discriminatórias. Devemos ainda nos fazer presentes nas políticas públicas baseadas em dados e garantindo que a pauta racial seja um dos pilares da Psicologia mineira.






