02 dez Nota de posicionamento: alerta sobre violações de direitos em projetos de lei
O Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), no exercício de sua função de orientação e fiscalização do exercício profissional e na defesa intransigente dos Direitos Humanos, vem a público manifestar preocupação e posicionar-se contrariamente aos Projetos de Lei (PL) 227/2025, 148/2025, 173/2025 e 174/2025, atualmente em tramitação na Câmara Municipal de Belo Horizonte.
Tal posicionamento fundamenta-se nas Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas(os) em Políticas Públicas para a População em Situação de Rua, elaboradas pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) do Conselho Federal de Psicologia (CFP), documento que norteia uma atuação ética, política e socialmente comprometida com este segmento populacional.
A análise das proposições revela uma concepção que se afasta dos princípios estabelecidos na Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPR) e no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), além de desconsiderar evidências técnicas e científicas que orientam o cuidado em saúde mental e a garantia de direitos. Os projetos em questão reproduzem uma lógica higienista, criminalizadora e patologizante da pobreza, que nosso marco histórico e ético nos obriga a rejeitar.
Análise à luz das Referências Técnicas do CREPOP/CFP
As Referências Técnicas do CREPOP (2025) destacam que a população em situação de rua é um grupo heterogêneo, cuja condição é resultado de processos complexos de exclusão social, econômica e racial. O documento enfatiza a necessidade de políticas baseadas nos seguintes eixos:
Dimensão Ético-Política: Respeito à dignidade humana, garantia de direitos e superação de estigmas.
Intersetorialidade: Articulação entre políticas de assistência social, saúde, habitação, educação e trabalho.
Participação e Protagonismo: Inclusão da população em situação de rua nos espaços de decisão sobre as políticas que a afetam.
Cuidado em Saúde Mental: Defesa de uma abordagem psicossocial, territorializada e baseada na redução de danos, em contraposição a modelos manicomiais e de internação involunária.
Os PLs em análise violam frontalmente esses princípios.
PL 227/2025 (De Volta para Minha Terra) e PL 173/2025 (Desobstrução de vias): Configuram-se como práticas higienistas. O primeiro, ao propor a “logística” do retorno às cidades de origem, opera uma “limpeza social” da capital, desconsiderando os vínculos construídos em Belo Horizonte, as razões complexas da migração e a responsabilidade do município em garantir direitos a todos que nele residem, conforme preconiza a Constituição Federal. O segundo, ao autorizar a remoção de “estruturas permanentes”, na prática legitima a violação do direito à moradia e à intimidade, podendo resultar na destituição sumária dos poucos pertences e abrigos que garantem a sobrevivência nas ruas, ação já considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ambos reforçam a estigmatização e a criminalização da pobreza.
PL 148/2025 (Endereço Social): Apesar de apresentar um aspecto aparentemente benéfico, a proposta é insuficiente e desarticulada. O documento do CREPOP ressalta que serviços como o Cadastro Único e o uso de equipamentos do SUAS como referência de endereço já são realidades. A criação de um novo cadastro, sem integrá-lo a uma política robusta de geração de renda, acesso à moradia e inclusão social, pode ser apenas um instrumento burocrático. A condição de retirar correspondências mensalmente sob pena de exclusão demonstra incompreensão sobre a dinâmica de vida e as dificuldades de deslocamento dessa população.
PL 174/2025 (Internação Involuntária): O projeto retrocede a conceitos superados e violentos, priorizando a internação involuntária com base em laudo médico e solicitação de terceiros. A referência criada pelo CREPOP e o CFP defendem o modelo da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), baseado no cuidado territorial, voluntário, na redução de danos e no Projeto Terapêutico Singular (PTS). A internação involuntária, especialmente quando associada ao uso de drogas, reforça estigmas, retira a autonomia do sujeito e abre espaço para abusos e violações em comunidades terapêuticas, modelos estes que o próprio Sistema Conselhos de Psicologia tem denunciado por graves violações de direitos.
Ausência de consulta e diálogo democrático
As Referências Técnicas e a PNPR são enfáticas sobre a necessidade de participação social. A elaboração desses PLs ocorreu sem a consulta obrigatória aos órgãos técnicos responsáveis (como a Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, o Conselho Municipal de Assistência Social – CMAS, e os conselhos profissionais), sem a escuta da população em situação de rua organizada em movimentos como o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), e sem o aval de especialistas em saúde mental e políticas públicas e de instituições que historicamente contribuem com este debate, como o Fórum Mineiro de Saúde Mental e o CRP-MG. Ignorar esses atores é ignorar a complexidade da questão e impor soluções simplistas e autoritárias.
Recomendações
Os Projetos de Lei 227/2025, 148/2025, 173/2025 e 174/2025 representam um retrocesso na política municipal de Belo Horizonte. Eles não resolvem a questão social da população em situação de rua; pelo contrário, aprofundam sua vulnerabilidade, violam seus direitos humanos e atentam contra sua dignidade e saúde mental.
O CRP-MG, em consonância com as Referências Técnicas do CREPOP/CFP e com o compromisso ético-político da Psicologia brasileira, REPUDIA a aprovação desses projetos e RECOMENDA:
A REJEIÇÃO integral dos referidos Projetos de Lei em seus turnos subsequentes.
Que a Câmara Municipal de Belo Horizonte e a Prefeitura priorizem o fortalecimento e a integração das políticas públicas já existentes no âmbito do SUAS e do SUS, como os Centros Pop, CREAS, Consultório na Rua e CAPS, garantindo orçamento adequado e equipes qualificadas.
A construção de políticas de habitação de interesse social, geração de trabalho e renda, e educação, de forma intersetorial, como únicas vias efetivas para superação da situação de rua.
A garantia de espaços permanentes de participação e controle social, incluindo a população em situação de rua e seus movimentos representativos, na formulação, monitoramento e avaliação de qualquer política que lhe diga respeito.
Reafirmamos nosso compromisso com a defesa da dignidade humana, dos direitos da população em situação de rua e com a construção de uma sociedade verdadeiramente inclusiva e justa.
Belo Horizonte, 03 de dezembro de 2025.
XVIII Plenário
Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais







