Cine Diversidade aborda luta antimanicomial a partir da perspectiva contracolonial

Documentário sobre Arthur Bispo do Rosário foi ponto de partida para o diálogo

A mobilização em favor de uma sociedade sem manicômios deu o tom do Cine Diversidade realizado no dia 21/5, em Belo Horizonte. A programação especial começou com exposição de obras produzidas por usuárias(os) de serviços substitutivos de Belo Horizonte. No hall de entrada do Cine Santa Tereza, o público pode apreciar telas e cartazes produzidos no Centro Pop Miguilim, no Centro de Convivência Arthur Bispo do Rosário e no Arte da Saúde – Ateliê de Cidadania Regional Leste.

A conselheira do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais, Lorena Rodrigues, deu as boas vindas ao público que acompanhou a exposição e a exibição comentada do documentário “O prisioneiro da passagem”, que registra momentos de Arthur Bispo do Rosário na Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro.

Da esquerda para a direita: Laura Cosendey, Soraia Marcos, Liz Costa, Lucas Lopes, Lorena Rodrigues e Alline Pereira

A conselheira explicou que a edição de maio do Cine Diversidade foi construída pelas Comissões de Orientação em Gênero e Diversidade Sexual e de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do CRP-MG e chamou atenção para o fato de que em 2024, a Resolução CFP nº 001/1999 completa 25 anos. A resolução estabelece normas de atuação para psicólogas(os) em relação à Orientação Sexual. “É uma resolução que fortalece a despatologização das identidades LGBTQIA+ e tem tudo a ver com o tema do nosso encontro hoje. Os corpos pretos, LGBTQIA+ sempre foram alvo de correção, violência e tortura, então é muito importante demarcarmos esses 25 anos de resolução”, contextualizou. As conselheiras Isabella Lima e Júnia Lara também participaram do encontro.

A representante da Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam), Laura Cosendey, explicitou o grande desconforto que experimenta diante do documentário, que tem cenas da Colônia Juliano Moreira, um complexo psiquiátrico chegou a abrigar 5.300 internos em 79 hospitais e pavilhões, em Jacarepaguá (RJ). Laura questionou a frequente representação que se faz das pessoas loucas no cinema e em outras mídias, com imagens de crueldade, internação compulsória e sofrimento. “É por isso que eu gosto tanto do desfile do 18 de maio: ele mostra que lutar não precisa ser um calvário”, argumentou.

Laura também falou sobre o desafio que é concretizar o cuidado inspirado no afeto num país fundado sobre a violência e o genocídio. “Acho complicadíssimo observar afeto no nosso cotidiano e isso não será ensinado por meio de livros. Os manicômios vão cair mesmo quando nós nos apropriarmos dos nossos direitos. Isso é mais importante do que a formação dos profissionais”, analisou.

Ser contracolonial

A psicóloga Alline Pereira compartilhou diversas experiências com o público a partir da perspectiva contracolonial, proposta pelo mestre quilombola Antônio Bispo dos Santos, conhecido como Nêgo Bispo. “Pensar de forma contracolonial é pensar a partir do lugar de quem resistiu à colonização: os povos afropindorâmicos, conforme o mestre quilombola Nêgo Bispo nos ensina. São os povos arrancados de África e que quiseram que perdessem as memórias, mas nós resistimos, nós reeditamos essas memórias”, explicou. A psicóloga também compartilhou com o público trechos do livro “A terra dá, a terra quer”, de Nêgo Bispo.

Alline atua como técnica de referência de um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. Ela contou que pauta sua forma de estar nesse espaço a partir da sabedoria ancestral e que faz o movimento de estar sempre junto das(os) usuárias(os), no quintal, em meio à natureza: “nós pensamos pela circularidade, a gente tá no meio, a gente dialoga. Mestre Nêgo Bispo diz que a nossa trajetória precisa sustentar o nosso discurso”.

A conversa com o público foi mediada pela militante do Fórum Mineiro de Saúde Mental, Soraia Marcos. Ela pontuou que o manicômio não está superado, uma vez que algumas práticas ainda não estão alinhadas com o cuidado digno e que respeita os direitos humanos. “Basaglia dizia que os manicômios podem voltar, mas já sabemos que dá para viver em liberdade”, relembrou.

 



– CRP PELO INTERIOR –