19 out CRP-MG assina nota sobre tragédia de Janaúba e seus desdobramentos
O Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG) assina a nota produzida pelo Fórum Mineiro de Saúde Mental, intitulada: “Humano, demasiado humano: notas de alerta sobre a tragédia de Janaúba”. A nota reforça a defesa do cuidado em liberdade como principal estratégia de tratamento na assistência em saúde mental.
HUMANO, DEMASIADO HUMANO: NOTAS DE ALERTA SOBRE A TRAGÉDIA DE JANAÚBA
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O Fórum Mineiro de Saúde Mental e as demais entidades que assinam este documento manifestam seu profundo pesar sobre o trágico acontecimento ocorrido em Janaúba (MG) e prestam toda solidariedade e reconhecimento à sua população que soube se organizar com dignidade e respeito, e a todos envolvidos, em especial aos que sofreram as consequências diretas.
É de conhecimento de todos a notícia veiculada de que Damião Soares dos Santos, que trabalhava como vigia da creche, ateou fogo em si e nas crianças do local, levando a 11 óbitos e dezenas de feridos. As regras do jogo impostas pela sociedade através do judiciário e da própria psiquiatria, já determinariam um futuro previsível e nefasto a ele caso sobrevivesse e tivesse ou não definido um diagnóstico de transtorno mental. Apesar disso, não será aqui que entraremos na árdua discussão quanto ao estado mental de Damião quando executou tal ato.
No entanto, surpreendeu-nos a rapidez e o oportunismo apresentado por profissionais e até mesmo autoridades públicas em responsabilizar a Política Nacional de Saúde Mental pelo ocorrido, além de comentários com críticas sobre pessoas em sofrimento mental, sua alegada periculosidade, e sobre o próprio funcionamento da rede de assistência em saúde mental do município e região.
As notícias falsas e precipitadas prestam um desserviço: acabam por induzir o surgimento das velhas formas de preconceito em relação ao chamado louco que tanto lutamos para desconstruir, e levam a opinião pública a acreditar e demandar formas de “tratamento” baseadas em exclusão e confinamento, tão violentas quanto o triste e lamentável episódio ocorrido.
Devemos nos lembrar que num passado não tão distante, centenas de milhares de brasileiros perderam a vida trancafiados em hospitais psiquiátricos, espaços construídos e eleitos pela sociedade para excluir e segregar pessoas tidas como perigosas, incapazes e improdutivas.
Mas as organizações civis da luta antimanicomial souberam se contrapor a essa triste realidade. Uma rede pública substitutiva diversa, ampla e potente foi criada em consonância aos direitos garantidos por leis, ao cuidado em liberdade e com inserção familiar e comunitária, surgindo então a Política Nacional de Saúde Mental e sua rede de atenção psicossocial, exemplo e referência em todo o mundo.
Se essa rede apresenta atualmente dificuldades, as devemos, em especial, ao lamentável momento político que vivemos. O desmonte que vem ocorrendo com o SUS, promovido pelo governo federal, obviamente nos atinge.
Portanto, afirmamos: não em nome da tragédia de Janaúba! Não autorizaremos a crença de que a violência se deva a uma morbidade psíquica específica e a seu necessário enclausuramento. Na história da humanidade nunca foi possível prever acontecimentos desse tipo. A sociedade contemporânea vivencia diversas formas de violência cuja imensa maioria não são motivadas por transtornos mentais. Acreditamos que, conforme Basaglia, “o sofrimento humano é algo que não se pode eliminar. Está na vida, está no homem, é uma condição humana”. Assim, apostamos no cuidado em liberdade como principal estratégia de tratamento na assistência em saúde mental. Não aceitaremos quaisquer retrocessos na política de saúde mental brasileira.
Seguiremos nossa luta por uma sociedade sem manicômios.
Fórum Mineiro de Saúde Mental
Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais