Inspeção nacional denuncia violações de direitos e reforça urgência do fim dos manicômios judiciários

Em Minas Gerais, práticas violentas foram observadas no Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz, no município de Barbacena

Lançamento do Relatório de Inspeção Nacional no CFP, dia 28 de julho. Foto: CFP

Foi lançado na sede do Conselho Federal de Psicologia (CFP), nesta segunda-feira, 28/7, o Relatório de Inspeção Nacional: Desinstitucionalização dos Manicômios Judiciários, documento que reúne denúncias graves de violações de direitos humanos, como negligência, medicalização em massa, ausência de tratamento e práticas de tortura institucionalizadas. O levantamento é fruto de uma articulação entre o Sistema Conselhos, por meio de suas Comissões de Direitos Humanos, em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Em Minas Gerais, o Conselho Regional de Psicologia (CRP-MG) participou da inspeção no Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz (HPJJV), em Barbacena. Segundo o relatório, o manicômio mantém práticas que agravam o sofrimento psíquico e violam o direito fundamental ao cuidado em liberdade. Entre os achados mais preocupantes, estão: reclusão dos pacientes em celas (incluindo o isolamento de duas mulheres trans que ficam permanentemente trancadas), ausência de itens básicos de higiene e acesso à água, escassez de atividades terapêuticas, tratamento de choque, inexistência de uma equipe multidisciplinar para construção de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS) e o encarceramento de pessoas institucionalizadas mesmo após determinação judicial de soltura. Há ainda denúncias de perseguição institucional e retaliação a servidoras(es) que denunciam as violações.

“A Convenção Nacional dos Direitos Humanos não reconhece o tratamento dessas pessoas em locais que não sejam em meio aberto, pondo em evidência que o caráter asilar desses equipamentos não traz nenhum grau de tratamento. Pelo contrário, só agrava a condição de saúde mental delas e cria um tratamento penal que nem deveria existir, uma vez que são inimputáveis”, afirma o conselheiro do CRP-MG, Daniel Melo, que integrou a Comissão de Direitos Humanos do Conselho e a equipe de fiscalização em Minas Gerais. “É importante marcar que um espaço como o Jorge Vaz deve ser fechado, uma vez que ele não promove nada a não ser desassistência e a piora do quadro de saúde mental das pessoas. Há necessidade de que esse tratamento seja feito em liberdade”, completa.

Para o conselheiro, a inspeção é um subsídio muito importante para o trabalho do CRP-MG. Ele explica que, a partir do levantamento, o Conselho pôde atuar junto ao Comitê Estadual Interinstitucional de Monitoramento da Política Antimanicomial (CEIMPA), criado a partir da Resolução nº 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trata do fechamento dos hospitais psiquiátricos e da política antimanicomial do Judiciário. Ele avalia que a publicação do relatório nacional permitirá dar visibilidade ao tema em debates públicos e audiências. Além disso, o conselheiro também ressalta a importância de fortalecer equipes como as do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (Pai-PJ), para que o acompanhamento de pessoas com transtorno mental ou deficiência psicossocial ocorra com o cuidado adequado.

A conselheira do CRP-MG, Isabella Lima, também integrou a equipe de inspeção e destaca que há experiências que comprovam a viabilidade do fim dos manicômios judiciários. “De um lado, o relatório evidencia que essas instituições seguem operando como verdadeiros dispositivos de extermínio social, combinando o pior do manicômio e da prisão, totalmente incompatíveis com qualquer projeto democrático de saúde mental. De outro lado, existem práticas desenvolvidas nos serviços abertos e de base comunitária, como os Centros de Atenção Psicossocial, que mesmo sob grave subfinanciamento, constroem projetos terapêuticos singulares, articulam visitas domiciliares, fortalecem a autonomia e promovem reinserção comunitária”.

Segundo a conselheira, esse contraste convoca o posicionamento da Psicologia, que deve romper de forma definitiva com qualquer conivência com o encarceramento psiquiátrico. “Nosso horizonte é inequívoco: queremos o fechamento definitivo dessas instituições violadoras e o fortalecimento, com recursos financeiros adequados, de uma política de saúde mental radicalmente comprometida com a liberdade, a dignidade e a reparação histórica das populações que o manicômio tentou silenciar”, reforça.

Além do Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz, em Barbacena, havia uma visita agendada no Centro de Apoio Médico e Pericial (CAMP), localizado em Ribeirão das Neves. No entanto, a unidade não foi incluída na inspeção, uma vez que não foi possível obter informações atualizadas sobre seu funcionamento. O CRP-MG relatou dificuldades de acesso e de obtenção de dados nas instituições do estado, o que compromete o controle social e dificulta a atuação fiscalizadora das equipes. Em razão dessas barreiras, apenas o estabelecimento de Barbacena pôde ser visitado, ainda que com restrições. As informações detalhadas estão disponíveis no relatório.

Relatório será encaminhado a autoridades públicas

O relatório aponta que o processo de desinstitucionalização de pessoas internadas já foi iniciado em alguns estados. As informações reunidas durante a Inspeção Nacional serão encaminhadas formalmente a autoridades públicas para embasar medidas concretas voltadas à política de cuidado em saúde mental no Brasil.

Segundo o CFP, já estão sendo organizadas reuniões e visitas técnicas a órgãos como o Ministério da Saúde, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, a Defensoria Pública da União e o Conselho Nacional de Saúde. Também está prevista uma agenda de diálogos com ministros do Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de contribuir com a análise da ação que discute a Política Antimanicomial brasileira.

Acesse o relatório na íntegra.

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