23 abr Nota de posicionamento: nova resolução do CFM referente ao atendimento de pessoas trans
O Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), por meio da Comissão de Orientação em Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual, se posiciona contrário à Resolução CFM nº 2.427/2025, na qual o Conselho Federal de Medicina atualiza normas para atendimento de pessoas trans. A normativa determina em seu Art. 5° a proibição dirigida ao médico de “prescrever bloqueadores hormonais para tratamento de incongruência de gênero ou disforia de gênero em crianças e adolescentes”, com exceção para “situações clínicas reconhecidas pela literatura médica, como puberdade precoce ou outras doenças endócrinas”. A decisão representa um grande retrocesso ao impedir que tal público tenha acesso aos seus direitos em relação a sua imagem e corpo, a partir de uma completa desconsideração de aspectos relacionados à subjetividade, autopercepção e autodeclaração, própria a cada sujeito de direito, validando, somente, aspectos relacionados a critérios diagnósticos do âmbito da Medicina, o que viola completamente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA/1990), onde em seu Art 3º determina que às crianças e adolescentes “gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, (…) assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.
Para além das questões relativas ao início do bloqueio puberal, a Resolução também aumenta a idade mínima para início da hormonização cruzada e para as cirurgias de redesignação de gênero, ao postular a obrigatoriedade de um acompanhamento médico com ênfase na psiquiatria (um caráter nitidamente patológico) e endocrinológico, além de reconhecer somente às especialidades de ginecologia e urologia para pessoas trans. O texto representa um saber médico autocentrado e autoritário, ignora demais especialidades do âmbito da saúde, que poderiam estar a serviço de contribuir com o acompanhamento de pessoas trans de forma a pautar a autonomia e as potencialidades dessa população, tais como: a psicologia, o serviço social, a enfermagem, a nutrição.
A prática psicológica, fundamentada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no Código de Ética do Psicólogo (2005) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), reconhece que crianças e adolescentes são sujeitos plurais, detentores de saberes. Assim, não existe uma infância ou adolescência universal ou “normal”, mas sim uma diversidade legítima de experiências que precisa ser protegida.
A Resolução CFP nº 01/99 marcou a história da Psicologia enquanto ciência e profissão, pois formaliza o entendimento de que a diversidade sexual e de gênero deve ser protegida e valorizada. Ainda hoje, porém, este é um tema em disputa na sociedade.
A despatologização das experiências dissidentes é a orientação ética para nossa atuação profissional, ou seja, profissionais de Psicologia devem respeitar o processo de autodeterminação de cada indivíduo, conforme salienta a Resolução CFP nº 01/2018, sem promover “curas” ou “reversões” de identidades de gênero e sexualidade. Essa abordagem, que se estende por todas as etapas da vida, visa garantir um espaço seguro para a expressão da singularidade de cada pessoa.
Na prática da Psicologia não precisamos de um diagnóstico para oferecer suporte e proteção às pessoas. Muitas vezes, é justamente este movimento de estigmatização que produz violências e sofrimento, pois acaba por generalizar experiências e fabricar roteiros ou histórias únicas. As psicoterapias podem ser úteis, mas também podem causar danos, especialmente quando desnecessárias. Em nossa história enquanto Ciência, contribuímos em vários momentos para a criação de narrativas patologizantes sobre a diversidade e, por isso, é importante reconhecer a nossa responsabilidade e agir de modo a reparar esses erros.
Para garantir os direitos das crianças e adolescentes, é essencial adotar práticas que promovam a liberdade de expressão de gênero, permitindo que explorem sua identidade de forma autêntica, sem medo de discriminação. Crianças e adolescentes devem participar ativamente de seus processos de cuidado, com suas narrativas validadas pela família, comunidade e instituições, sendo recomendada a convivência entre pares. As famílias precisam ser acolhidas e orientadas para apoiar as crianças e adolescentes nesse processo, podendo usar apelidos ou nomes provisórios, sem que isso seja definitivo.
A autodeclaração da identidade de gênero é suficiente para validar a identidade de uma pessoa em espaços públicos e privados, sem a necessidade de laudos médicos ou psicológicos. Além disso, é importante criar uma rede de proteção que inclua não apenas serviços públicos, mas também espaços de lazer e socialização, com o apoio de movimentos sociais.
Crianças e adolescentes têm direito à integridade corporal, à memória de sua história e à proteção contra abusos médicos e intervenções que imponham identidades de gênero.
Clique aqui para ler o folder sobre a temática desenvolvido pela Comissão de Orientação em Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual do CRP-MG.
Clique aqui para ler a nota coletiva sobre a Resolução CFM também assinada pelo CRP-MG.