Novembro Negro: “Não tem como fazermos uma Psicologia antirracista se desde a nossa graduação não for assim”

Confira reportagem especial sobre racismo, formação e atuação profissional na Psicologia

“Não tem como fazermos uma Psicologia antirracista se desde a nossa graduação não for assim. A graduação em Psicologia precisa se adequar à realidade brasileira, às desigualdades raciais no Brasil e ter currículos que deem suporte para psicólogas e psicólogos em formação”, afirma a psicóloga e coordenadora da Comissão de Orientação em Psicologia e Relações Étnicos-Raciais do CRP-MG, Thalita Rodrigues. Ela explicou que essa foi a razão da Comissão ter escolhido o tema da educação antirracista na formação em Psicologia para abrir a série de eventos Novembro Negro, realizada pelo CRP-MG em virtude do Dia da Consciência Negra (20/11).

A falta de disciplinas que abordam a temática étnico-racial nas universidades chama a atenção. “Psicólogas e psicólogos já formados precisam ter condições de não só entender como o racismo se organiza na nossa sociedade, como também ter intervenções que sejam antirracistas”, pontuou Thalita.

Segundo o IBGE, o número de pessoas pretas e pardas aumentou nas universidades públicas no Brasil, representando 50,3% em 2018. Entretanto, as universidades não se mostram abertas à diversidade, já que as referências utilizadas em sala de aula são eurocentristas. “Na faculdade, não tive nenhuma referência teórica de pessoas pretas, apenas por pesquisas e dedicação. O racismo é tão velado que para todos na faculdade é normal termos autores somente brancos e quando você questiona isso as pessoas te acham chata e militante”, compartilha a estudante de psicologia Glenda Ramos.

As universidades deveriam ser um espaço de construção e diálogo, entretanto, isso não ocorre da forma como deveria, o que afeta diretamente a subjetividade das(os) estudantes, que acabam por se sentirem ainda mais pressionadas(os). “Essa cobrança de sermos melhores em tudo começa bem antes da faculdade. As pessoas duvidam do nosso valor e de como podemos ser capazes. Quando entrei no curso de Psicologia isso só foi reforçado pelo sistema e pela branquitude. Isso é problemático porque a nossa saúde mental é muito afetada”, relata a estudante.

Racismo, subjetividades e atuação profissional

Segundo o psicólogo e pós-graduando em Psicologia Existencial Humanista e Fenomenológica Mateus Ferreira, cada pessoa, com suas próprias experiências e particularidades, se torna única, entretanto, em um ambiente em que o sujeito não consegue se reconhecer e se integrar de forma completa, as consequências podem ser sentidas com ainda mais intensidade, causando alterações no modo de pensar, falar e agir. “Este silenciamento simbólico afeta diretamente a autoestima da população negra. Como se sentir à vontade em um contexto que não contempla sua identidade, sua cultura e sua subjetividade? Como vislumbrar o seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional observando que a ocupação de espaços de poder em sua área não se dá em quase nenhuma instância por seu grupo étnico-racial? Exigir a aplicação de uma Psicologia antirracista é, também, olhar para os atores já inseridos na área e dizer que suas vidas importam”, analisa Mateus Ferreira.

Mateus também destacou os impactos da ausência de embasamento teórico sobre pautas étnico-raciais no atendimento à população negra. “Se o profissional não reconhece o racismo como um fenômeno estruturante do nosso funcionamento social e das nossas subjetividades, pode-se reforçar atos como o de individualizar sensações que possuem repercussões coletivas, como se vivenciar o racismo fosse uma questão de perspectiva do sujeito e não necessariamente algo que ultrapassa barreiras individuais e oprime das mais diversas formas uma população há séculos”, completou o psicólogo.

Para além da graduação

A psicóloga, psicanalista e doutoranda em Psicanálise pela UFMG, Thalita Rodrigues, aponta que o acesso e a permanência na pós-graduação se torna mais difícil para estudantes negras(os).

Thalita ainda contou sobre sua experiência enquanto psicanalista e afirma ser uma prática elitizada e de difícil acesso: “É elitista por inúmeros fatores. Tanto pela teoria quanto pela formação em Psicanálise fora da universidade, que geralmente é feita em instituições caríssimas. Como sabemos que a desigualdade social é racial também, obviamente isso se repete no campo da Psicanálise”. E acrescentou: “por mais que seja um espaço elitizado, nós, psicanalistas negros e negras, existimos e estamos tentando mudar essa realidade. Tanto no nível da clínica quanto no nível teórico”.

Orientações para estudantes de Psicologia

A evasão universitária é uma realidade no Brasil, é o que mostra o Censo da Educação Superior 2018. Dos estudantes ingressos em 2010, 56,8% desistiram do curso – só 37,9% concluíram os estudos. Outros 5,3% continuavam na graduação após 6 anos. O recorte vai até 2016.

Thalita deixou orientações para as(os) alunas(os) de Psicologia que já pensaram ou pensam em desistir da graduação: “Busque por referências, seja na universidade que você está estudando ou na internet. Existem pessoas que têm tentado fazer esse processo de racialização. Também busque grupos de pessoas negras para se fortalecer, mesmo que não sejam da Psicologia, esses coletivos são importantíssimos para entender como o racismo opera e para fortalecer a nossa identidade racial e política”.

A psicanalista também afirmou a importância de visibilizar as pessoas negras que ocupam espaços de poder. “Essa é uma estratégia muito importante para o fortalecimento da nossa identidade, para dar conta de lidar com a violências raciais”, concluiu.

Psicólogas(os) negras(os) têm salários menores

Um levantamento de informações sobre a inserção de psicólogas(os) no mercado de trabalho brasileiro, realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) revelou que, em 2014, um(a) psicóloga(o) negra(o) recebia, em média R$ 2.921, que equivale a aproximadamente a 83% do salário de um(a) psicóloga(o) não negra, totalizando R$ 3.514.

Confira a transmissão realizada no Youtube do CRP-MG que também abordou a temática:

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