11 ago Pelo cuidado no uso de metilfenidato
Mais de 50 grupos e entidades do Brasil e do mundo, incluindo o Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais, assinam nota em defesa da Portaria 986/2014, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, que instituiu o Protocolo de Uso do Metilfenidato. A Portaria estabelece critérios para a prescrição do medicamento, que se dará a partir de avaliação multiprofissional que considere aspectos físicos e psicossociais dos usuários, bem como impactos do medicamento em sua vida.
O Metilfenidato é utilizado no tratamento, sobretudo, de crianças e adolescentes, supostamente portadores de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH e de Dislexia.
Leia abaixo o documento na íntegra:
O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP SP, autarquia pública responsável pela normatização, orientação e fiscalização do exercício profissional de psicólogas(os), vem a público parabenizar a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo pela Portaria 986/2014, que instituiu o Protocolo de Uso do Metilfenidato, medicamento utilizado no tratamento sobretudo de crianças e adolescentes, supostamente portadores de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH e de Dislexia.
Reconhecendo as controvérsias quanto ao diagnóstico e enfoques terapêuticos do TDAH e da Dislexia, a Portaria avança no cuidado a crianças e adolescentes, ao estabelecer critérios para a prescrição do Metilfenidato, que se dará a partir de avaliação multiprofissional que considere aspectos físicos e psicossociais dos usuários, bem como impactos do medicamento em sua vida. Da mesma forma, avança ao reconhecer que o diagnóstico indiscriminado desses transtornos, vem transformando comportamentos e questões de outra ordem, sobretudo escolares, em doenças, individualizando sofrimentos e desresponsabilizando o contexto em que vivem as pessoas diagnosticadas.
Pesquisas e discussões têm problematizado intensamente concepções e práticas no trato à questão, evidenciando a falta de consenso sobre a temática.
Muito se tem apontado para a falta de evidências científicas para a existência de uma patologia como descrita nos manuais diagnósticos e de critérios objetivos nos diagnósticos, resultando em um vertiginoso aumento de pessoas diagnosticadas com o suposto transtorno e, consequentemente, na prescrição e consumo do metilfenidato. Com índices de ocorrência assustadores, o TDAH poderia acometer até um terço da população, o que pode ser entendido como expressão de processos de medicalização e patologização da vida.
Tais processos fazem com que passemos a entender diferentes fenômenos da vida a partir do binômio saúde-doença, desconsiderando determinantes históricos, sociais, culturais, econômicos, políticos constitutivos desses fenômenos e atribuindo os produtos dessa complexidade a fatores meramente individuais.
Assim, em um processo reducionista, os sintomas e sofrimentos vividos por uma pessoa passam a ser entendidos como causados unicamente por questões pessoais, sobretudo biológicas, sem que se considere o mundo em que vive e sua trajetória nele. Nesse processo, frequentemente aqueles que expressam modos outros de ser, pensar, se comportar, aprender, e, assim não atendem expectativas sociais, são entendidos como pessoas doentes. Mesmo sabendo que modos e contextos de vida fazem adoecer, estes costumeiramente são desconsiderados. Daí a importância do diagnóstico a ser realizado, conforme pretende a Portaria, considerar processos e contextos sociais e relacionais, em diversas dimensões da vida pública e privada, tais como família, escola, trabalho, vida comunitária, entre outros. Quer dizer, o diagnóstico deve ser um momento em que se resgatam histórias singulares e que, ao mesmo tempo, produza singularidades. Cabe destacar que o diagnóstico de TDAH se dá sobretudo por queixas escolares, referentes ao comportamento e aprendizagem de crianças e adolescentes, o que requer que se conheça a realidade do sistema educacional ofertado à população. Requer-se também o desenvolvimento de estratégias pelas escolas para o enfrentamento de situações que produzem o encaminhamento desse público aos serviços de saúde.
Outro aspecto importante apontado pelas pesquisas e discussões diz respeito à efetividade do tratamento medicamentoso ofertado a crianças e adolescentes com TDAH. O metilfenidato trata-se de uma substância psicoativa com graves efeitos colaterais, tais como problemas cardíacos, alucinações, psicose, pensamentos suicidas e o chamado zombie like e‑ect, resultado de sua alta toxicidade. Ainda, o medicamento pode causar dependência, estando associado ao uso de drogas na vida adulta. Nesse sentido, sua prescrição e administração deve se dar de forma criteriosa e rigorosa.
Dessa forma, o CRP SP entende que a Portaria 986/2014, além de fazer avançar a política pública de saúde à população, fortalecendo a perspectiva da atenção multiprofissional e garantindo, assim, os devidos cuidados, é uma importante medida no enfrentamento a processos de medicalização e patologização da vida, o que significa lutar pela armação do direito humano de podermos ser diferentes, singulares e de que tais diferenças enriqueçam nosso projeto de sociedade.
Às psicólogas e aos psicólogos que certamente participarão da avaliação multidisciplinar proposta pela Portaria, cabe contribuírem para romper com lógicas que patologizam o sujeito pelas problemáticas vividas, entendendo como modos e contextos de vida contribuem para a produção dessas problemáticas, considerando, assim, a necessidade de transformações nos campos institucionais e relacionais vividos pelas pessoas.
Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP SP
Subscrevem esta nota:
– Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional – ABRAPEE
– Associação Brasileira de Ensino de Psicologia – ABEP
– Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar – SBPH
– Federação Nacional dos Psicólogos – FENAPSI
– Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade
– Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME
– Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA
– Associação Brasileira de Currículo – ABdC
– Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED
– Conselho Regional de Fonoaudiologia – 2ª Região SP
– Conselho Regional de Odontologia de São Paulo – CRO SP
– Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3ª Região – CREFITO-SP
– Conselho Regional de Psicologia da Bahia – CRP BA
– Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais – CRP MG
– Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro – CRP RJ
– Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo – SinPsi
– Instituto Silvia Lane
– Grupo Interinstitucional Queixa Escolar – GIQE
– Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
– Laboratório de Estudos sobre Aprendizagem, Desenvolvimento e Direitos – LEADD do Centro de Investigações em Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
– Área de Pediatria Social do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP
– Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia Escolar – LIEPPE
– Grupo de Pesquisa Avaliação e Intervenção Psicossocial – Prevenção, Comunidade e Libertação da Faculdade Psicologia da Pontifícia Universidade Católica – PUC Campinas
– Observatório Microvetorial de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
– Linha de pesquisa Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde da Faculdade de Medicina, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
– Grupo de Pesquisa Cotidiano Escolar e Currículo – Faculdade Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ
– Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF
– Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Avaliação na Escola Pública da Faculdade Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF
– Área de Psicologia Escolar/DPI da Universidade Estadual de Maringá – UEM
– Grupo de Pesquisa Desenvolvimento e Educação – GRUDHE da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ
– Programa de Pós Graduação em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
– Núcleo de Pesquisa em Bioética e Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
– Grupo de Pesquisas em Políticas de Saúde / Saúde Mental do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
– Núcleo de Pesquisa em Bioética e Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC
– Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás – PPGE/UFG
– Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia, Educação e Cultura – NEPPEC da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás – UFG
– Núcleo de Estudos e Pesquisas CRISE – Crítica, Insurgência, Subjetividade e Emancipação da Universidade Federal de Goiás – UFG
– Laboratório de Investigação em Corpo, Gênero e Subjetividade na Educação – LABIN do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná – UFPR
– Forum Latinoamericano sobre la Patologización de la Vida
– Forum Infancias – Movimiento Interdisciplinario y Federal de lucha contra la patologización y medicalización de las Infancias y Adolescencias de Argentina
– Espai Freud – Barcelona
– Escuela de Clínica Psicoanalítica con Niños y Adolescentes de Barcelona – ECPNA
– Sindicato dos Psicólogos do Estado do Rio de Janeiro – Sindpsi/RJ
– Sindicato dos Psicólogos de Minas Gerais – PSIND/MG
– Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de Minas Gerais (SIND-UTE/MG) – Seção Ipatinga
– Fórum Mineiro de Saúde Mental
– Associação dos Usuários e Familiares da Saúde Mental de Belo Horizonte -ASSUSSAM
– Associação de Trabalho e Produção Solidária de Belo Horizonte – SURICATO
– Sindicato dos Farmacêuticos de Minas Gerais – SINFARMIG
– Associação dos Psicólogos da Região de Congonhas/Lafaite/Ouro Branco e Campo dos Vertentes – APAP
– Conselho Municipal sobre Drogas de Governador Valadares – COMAD
– Núcleo Sorocaba do Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade
Fonte: site do CRP-SP