24 out Psicologia mineira se aprofunda no conhecimento do uso terapêutico da maconha e psicodélicos
CRP-MG participa de congresso levando profissionais de diversas áreas para contribuir com diálogos e reflexões
A profissão e ciência psicológica seguem evidenciando seu compromisso com a população brasileira que, diariamente convoca a Psicologia a ampliar sua prática e apurar seus conhecimentos. Nos últimos 17, 18 e 19 de outubro, os conselhos profissionais da área se reuniram no “Congresso Brasileiro de Psicologia, Maconha e Psicodélicos: ética, saberes ancestrais e os caminhos para atuação”, em Brasília, para dialogar sobre o uso terapêutico dessas substâncias, cientes da urgência de destacar aspectos éticos, técnicos e científicos.
O Congresso, realizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), contou com a parceria da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). O Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG) participou de forma plural a partir da presença de representantes das mais diversas áreas.
Anderson Matos, conselheiro coordenador da Comissão de Orientação em Psicologia em Tratamento com Cannabis Terapêutica do CRP-MG, contribuiu com o Congresso desde a sua proposição. “É necessário verificar o desenvolvimento de pesquisas e experiências que qualificam o debate nacional, elencando saberes ancestrais e avanços científicos que indicam a pertinência da Psicologia enquanto ciência e profissão na aproximação de um campo que se expande mundo afora. As discussões indicaram possibilidades para além da medicalização sintomática, expandindo as dimensões da garantia da qualidade de vida e de cuidados fora da esfera da alopatia clássica”, avalia.
O conselheiro lembra que o Congresso de Psicologia e Cannabis, organizado pelo CRP-MG no ano passado, foi precursor de uma discussão nacional: “a visibilidade da pauta ganhou capilaridade, demonstrando a urgência do ponto. Cada vez mais nossa categoria tem dado suporte técnico a pacientes e cuidadoras(es) em uso de produtos de cannabis e derivados, assim como o uso de psicodélicos tem se apresentado enquanto recurso terapêutico, num enfrentamento a quadros refratários a tratamentos convencionais”. Matos reforça que as(os) profissionais percebem que precisam de qualificação frente a uma demanda que não cessará, e que para uma atuação segura é necessária a criação de normativas e orientações por parte do CFP, e também que recomende a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (Abep) inserir disciplinas concernentes ao tema nas grades curriculares.
Para o conselheiro Daniel Melo, também integrante da Comissão de Orientação em Psicologia em Tratamento com Cannabis Terapêutica e da Comissão de Direitos Humanos do CRP-MG, é muito relevante que o Sistema Conselhos de Psicologia não só esteja se posicionando de forma ética e técnica em relação a aplicação da maconha e psicodélicos no âmbito da saúde, como também realçando que o uso terapêutico vem ocorrendo ao longo de séculos pelos povos tradicionais e que estes são os precursores da legalização e do estudo.
“O tema está em pauta também além do Sistema Conselhos de Psicologia: o crescimento nacional de projetos de lei que reconhecem produtos de cannabis para fins terapêuticos, a atuação do CRP-MG em audiências públicas em Minas Gerais e por meio do Conselho Estadual de Saúde (CES), a partir da gestão da nossa conselheira Lourdes Machado, no intuito de levar a cannabis para dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)”, comemora Daniel Melo, mas apontando que ainda há muito desconhecimento gerador de ações proibicionistas e violentas. “A ampliação do diálogo com a sociedade é capaz de levar compreensão sobre a potência das substâncias psicodélicas para a saúde. Precisamos romper o preconceito da droga ruim para entender como droga qualquer outro medicamento que consumimos, tais como os remédios psiquiátricos comumente utilizados pela população em geral”, completa.
Ações necessárias – Ciente da urgência de aprofundar o debate por meio da pesquisa e do conhecimento deste cenário, o CRP-MG também contou no Congresso com representantes da área técnica: a psicóloga fiscal Carolina Braga e a gerente técnica Flávia Santana. Ambas reconhecem a relevância de estar se apropriando desses debates para, em seguida, compartilhar com as equipes internas as experiências apresentadas, viabilizando diálogos principalmente no âmbito da orientação e fiscalização, e se preparando para contribuir futuramente na construção de diretrizes específicas dentro do Sistema Conselhos sobre o tema.
“A partir de uma visão mais técnica, destaco que o tema ainda não é muito discutido pela categoria, e talvez por isso não recebemos muitas demandas no setor de orientação do CRP-MG. Estamos em um momento de apropriação da temática e das diversas experiências desenvolvidas”, pontua Flávia Santana. Ela acrescenta que a “participação da área técnica foi de grande importância para conhecer também como está o avanço das pesquisas e das práticas neste campo”.
“Enquanto psicóloga fiscal, posso dizer que é um tema que chega timidamente na nossa equipe na forma de questionamentos e denúncias. A pauta suscita dúvidas e controvérsias dentro da categoria, sendo necessário que o Setor de Orientação e Fiscalização se aproprie sobre a temática, com visão crítica e cuidadosa, viabilizando uma orientação mais qualificada”, pondera Carolina Braga.
Pluralidade de visões e contribuições – A comitiva do CRP-MG no “Congresso Brasileiro de Psicologia, Maconha e Psicodélicos: ética, saberes ancestrais e os caminhos para atuação” foi ainda composta por integrantes e colaboradoras(es) das comissões temáticas no sentido de ampliar as reflexões futuras dentro da autarquia. Confira abaixo as principais impressões dessas(es) profissionais:
“Foi fundamental a participação do Congresso enquanto integrante da Comissão de Orientação em Psicologia Hospitalar do CRP-MG. A discussão proposta favorece o fomento à pesquisa neste campo e a futura construção de diretrizes éticas-técnicas no âmbito profissional. Dentro da área da psicologia hospitalar, compreende como contribuição os aspectos de redução de danos e a articulação da rede de saúde em interface com os aspectos psicossociais. Estima dentro desse aspecto, à espera pelas referências técnicas apropriadas do âmbito federal para o seguimento dos trabalhos.”
– Camila Ferreira Vieira de Rezende
“Integro a Comissão de Orientação em Psicologia e Relações e Étnico-Raciais do CRP-MG e para mim o ponto de maior relevância destacado no Congresso foi a necessidade de integrar o uso de maconha e psicodélicos no campo da Psicologia de maneira ética e culturalmente consciente, em especial com respeito aos saberes ancestrais e às implicações sociais. Foram debatidos não apenas os benefícios terapêuticos dessas substâncias no tratamento de transtornos mentais, mas também os desafios éticos relacionados à apropriação cultural e ao impacto do racismo estrutural sobre as populações vulneráveis, como negros e indígenas. Foi ressaltado que além dos aspectos científicos, o uso dessas substâncias deve ser contextualizado nas práticas de cura ancestrais. A Psicologia, ao considerar o uso dea maconha e psicodélicos, precisa promover uma abordagem decolonial e antirracista, reconhecendo o valor dos Mestres e Mestras dos saberes tradicionais sem apropriação ou comercialização indevida”.
– Gabriel Souza
“Na minha visão de coordenadora da Comissão de Orientação em Psicologia e Juventudes do CRP-MG, o que ficou mais marcado no Congresso é a potência terapêutica para os cuidados em saúde mental que uso da maconha e dos psicodélicos podem trazer. Mas também ficou evidente o racismo estrutural impresso no discurso da guerra às drogas. Nós sabemos que o estado tem alvos bem definidos: pessoas negras, pardas, indígenas, de comunidades tradicionais e jovens de baixa renda, periféricos. Então esse Congresso também serviu para pensar caminhos que a Psicologia tem que trilhar. Um deles é o fortalecimento das políticas públicas, da política de redução de danos e de envolver ainda mais os movimentos sociais, mas sempre levando em conta os marcadores sociais como raça, gênero e classe nesses debates”.
– Mariana Souza
“O Congresso mostrou que é também papel da Psicologia contribuir com o sujeito que está fazendo suas elaborações a partir do uso das substâncias psicodélicas, de potencializar, de acolhê-lo, de acompanhá-lo. Outro ponto fundamental para mim e que se relaciona com a comissão de que faço parte no CRP-MG, a Comissão de Orientação em Psicologia e Relações Étnico-Raciais, é como a história da maconha no Brasil está entrelaçada ao racismo, ao genocídio, à criminalização dos povos negros e indígenas. A partir da aceitação terapêutica dessas substâncias, o que se faz é uma higienização, um branqueamento para tornar isso uma medicação. Esquece-se quem são os detentores dessa sabedoria. O diálogo tem que ser interseccionalizado”.
– Wellington Junio Pugirá Teixeira