Seminário compartilhou reflexões sobre Psicologia e Migração

Evento aconteceu no auditório da PUC Minas, na Praça da Liberdade; saiba como assistir às mesas de debate

O Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), por meio da Comissão de Orientação em Migração, Refúgio, Tráfico de Pessoas e Subjetividade, promoveu no último dia 8 de outubro o 2º Seminário de Psicologia e Migração: Conectando Saberes. As discussões envolveram contexto latino-americano sobre mobilidade humana e atraiu migrantes, psicólogas(os) e profissionais de outras áreas ao auditório da PUC Minas Liberdade.

Veja fotos do encontro.

Durante a mesa “Mobilidade Humana Internacional e Subjetividade”, o integrante da Comissão de Orientação em Migração, Refúgio, Tráfico de Pessoas e Subjetividade do CRP-MG, José Miguel Ocanto, defendeu a construção de uma Psicologia alinhada ao contexto latino-americano e atenta à interseccionalidade que atravessa a população migrante. Ele também denunciou a convocação utilitária da pessoa migrante, que em muitos casos, cumpre apenas o papel de endossar a fala do especialista. “Temos que refletir sobre como vamos fazer para trabalhar com um sujeito que é sempre objetificado. Precisamos adotar práticas decoloniais, horizontalizar o saber, abolir a hierarquia que deixa a ciência fechada, ensimesmada. Que esse seminário sirva para nos inquietar, colocar em movimento e fazer com que a Psicologia migre a outros espaços”, propôs.

A psicóloga e psicanalista, Othilia Gouveia, fez considerações sobre a subjetividade das pessoas que migram a partir da Psicanálise. “O que pode acontecer são situações de errância subjetiva, o sujeito fica sem pontos de parada, vai para vários lugares,  não consegue achar um ponto de basta, achar um significante”, relatou. 

A doutora em Psicologia, Suzana Araujo, compartilhou resultados da pesquisa que desenvolveu junto a psicólogas(os) que atuam em campos de refúgio. “Nesses locais, as pessoas são mantidas no mínimo de vida. Há questões estruturais muito grandes e o que a Psicologia consegue fazer, muitas vezes, é apenas mitigar um pouco do sofrimento”. 

Deslocados ambientais

A Mesa 2 ,que trouxe a temática “Deslocados Ambientais e Atenção em Emergências e Desastres”, se debruçou sobre a questão ambiental e discorreu sobre o impacto dos danos no contexto social das(os) atingidas(os).

A psicóloga especialista em Saúde Mental em Emergências, Desastres e Catástrofes pela PUC Chile, Lilian Gárate, destacou: “Eu particularmente vejo o trabalho da(o) psicóloga(o) como articuladora(or), para que a escuta possa ser um levantamento de necessidades com outros agentes, de políticas públicas e de outras especialidades que tragam à tona, aspectos além da mudança do local. O desastre não acaba na primeira resposta. É preciso pensar dentro do ciclo integral de gestão de risco de desastres que também inclui a recuperação e reconstrução. É no espaço de deslocamento ambiental que se faz necessário trabalhar o ponto de saúde psíquica. Essa questão deve ser articulada junto às redes de apoio e assessorias técnicas, para que isso se configure em um movimento que traga mudanças concretas”.

Membro da Coordenação Estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e contribuidor na pauta de saúde do Movimento, José Geraldo Martins citou os danos físicos e mentais passados pelos afetados pelos rompimentos em Brumadinho e Mariana. 

“Perda do projeto de vida, insegurança quanto ao presente ao futuro, sofrimento pela perda de renda, separação das famílias, dificuldade de comprovar a situação de atingido, poder público ao lado da criminosa, criminalização de quem defende Direitos, depressão, insônia, ansiedade e nervosismo, são fatores experienciados pelas vítimas” frisou.

Psicóloga que já atuou na organização de ajuda humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) e em contextos de emergência, epidemias e migração no Afeganistão, Guiné Conacri, Líbano, Turquia, Iraque, Moçambique e Brasil, Renata Rodrigues Santos  evidenciou:

“Tem crescido o conhecimento sobre saúde planetária, que é um saber que vai para além do conceito de saúde global e considera muitos mais fatores. Não é possível pensar em questões climáticas sem considerar a totalidade, a interseccionalidade e a interconectividade que tem com tudo que se relaciona à vida. É importante olhar esse aspecto não somente do ponto de vista do dano que é causado, mas de todo o espectro que está envolvido. Os grupos racializados, as comunidades tradicionais e o grupo LGBTQIA+, que já possuem um menor acesso a serviços básicos e uma menor qualidade de vista, também são os mais atingidos com as mudanças climáticas. Nós precisamos considerar essas questões para podermos preparar uma prevenção e uma resposta que atenda às especificidades de cada grupo.”

O Coordenador da Comissão de Orientação em Migração, Refúgio, Tráfico de Pessoas e Subjetividade do CRP-MG e especialista em Direitos Humanos e Cidadania no Contexto das Políticas Públicas, Henrique Galhano Balieiro foi mediador da mesa e reforçou a fala das convidadas: 

“Trouxemos esse contexto dos deslocados para poder pensar em como a Psicologia pode atuar nesse sentido. A psicologia comunitária como objeto de atuação se caracteriza por trabalhar com sujeitos sociais em condições ambientais específicas, atento às suas respectivas psiques ou individualidades. Deste modo têm-se por objetivo analisar como a sociedade pode ser justa e democrática para os cidadãos mais vulneráveis e ressaltar essa importância mantendo os princípios éticos, solidários, buscando sempre a qualidade de vida dos indivíduos”, completou. 

Saberes tradicionais

A terceira e última mesa do seminário, intitulada “Decolonialismo, Gênero e Saberes do Sul Global no Olhar sobre as Migrações”, foi aberta pela coordenadora do Comitê Mineiro de Apoio às Causas Indígenas, Avelin Kambiwá. Natural do povo Kambiwá, no interior do Pernambuco, a liderança indígena falou sobre as dificuldades de inserção no meio urbano e dos preconceitos e violências sofridas durante a adaptação. 

“A população está passando por um processo de letramento. Tivemos muitas mortes, muito conflito com as forças de segurança – e a primeira coisa que falavam para a gente, nas abordagens era: ‘volta para a sua aldeia, aqui não é lugar de índio'”, relatou. 

A peruana Maura Queslloya, que vive há 15 anos em Belo Horizonte, onde fundou o Coletivo de Mulheres Migrantes Cio da Terra contou sobre os saberes de seus antepassados e como manter e perpetuar tradições frente à modernidade. 

“Os saberes tradicionais passam pelo âmbito da alimentação, da ecologia, da música, da dança, da medicina natural, da cosmovisão, da filosofia de vida. Será que nós, como profissionais estamos escutando e valorizando esse saber? Estamos ouvindo essas pessoas? Vocês estão nos ouvindo?”, questionou. 

A psicóloga Nathalia Moreira Barbosa Campos, estudiosa do contexto dos deslocamentos humanos na América Latina, falou sobre a importância da garantia do acesso à saúde para as pessoas migrantes. 

“A saúde é um direito humano e é preciso que a gente trate dessa maneira. Isso cria uma obrigação legal nos Estados. Aqui no Brasil, diferentemente de outros países, a gente tem o SUS. (…) Esse acesso tem que ser aceitável, acessível, em tempo oportuno”, disse. 

Por fim, a psicóloga Núbia Vale Rodrigues, que faz parte da Comissão de Orientação em Migração, Refúgio, Tráfico de Pessoas e Subjetividade do CRP-MG, compartilhou relatos de pessoas que migraram. 

“Uma parte da sociedade insiste em retratar o grupo de migrantes como uma multidão homogênea, sem rosto, sem história”, afirmou.



– CRP PELO INTERIOR –