A Psicologia e as políticas públicas de álcool e outras drogas

“A Psicologia e as políticas públicas de álcool e outras drogas” foi tema do último debate do dia 9, do Seminário Mineiro de Psicologia na Saúde Pública, promovido pelo Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG). Participaram como convidados Bárbara Coelho Ferreira, psicóloga, membro da Frente Mineira de Drogas e Direitos Humanos; Bruno Ramos Gomes, psicólogo, coordenador do Centro de Convivência É de Lei; Marcus Vinicius de Oliveira Silva, psicólogo, coordenador do LEV-Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental IPSI-UFBA, diretor do Instituto Silvia Lane-Psicologia e Compromisso Social; Maria Lucia Karan, juíza de direito aposentada do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, presidente da Associação dos Agentes da Lei Contra a Proibição (LEAP BRASIL); e Rosemeire Aparecida da Silva, psicóloga, técnica da equipe do PAI-PJ do TJMG, militante do Fórum Mineiro de Saúde Mental. Conduziu as discussões Helena Abreu Paiva, conselheira coordenadora do Grupo de Trabalho Álcool e Drogas do CRP-MG.

Bruno Gomes foi primeiro a falar. Ele iniciou chamando a atenção para a grande conquista de recursos públicos por parte comunidades terapêuticas, mesmo sendo “espaços de violações que parecem criar subjetividades dependentes. Estamos em um momento de construção da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs) e podíamos receber esta ajuda”, lamentou.

Segundo ele a redução de danos é a única estratégia capaz de ações eficazes de aproximação com os usuários. “No lugar de tentar que todos os usuários se tornarem abstinentes, queremos cuidar da redução da transmissão de doenças, melhorar o acesso aos serviços e direitos. O grande trunfo é o acesso ao usuário no lugar que ele está e  a participação do psicólogo, além de levar cuidado, ajuda as equipes a não se sentirem totalmente impotentes”, explicou Bruno, que encerrou dizendo que o menor dos problemas do usuário é o crack e o que ele mais quer é voltar a ter contato com a família, ter outros cuidados na saúde e estudar.

“Depois da reforma sanitária, vimos surgir silenciosamente um manicômio para drogados que é o que as comunidades terapêuticas são na sua essência e na sua prática”, iniciou dizendo Rosemeire Silva. “O retorno da segregação, como resposta e medida de proteção e cuidado evidencia outra semelhança e nos leva a concordar com Olívia Stein, a adição, assim como antes ocorrera com a loucura veio ocupar um lugar vazio no qual o Ocidente parece depositar de tempos em tempos seus medos maiores, suas mais temíveis ameaças. Parece ser assim mesmo, de tempos em tempos o empuxo à exclusão de manifesta, se atualiza e é preciso estar atento a isso. Hoje, a adição, amanhã o que ou quem virá preencher este vazio. Os usuários de drogas não são estrangeiros aos territórios da saúde mental, habitavam e partilhavam com os ditos loucos os terrenos da exclusão, o hospital psiquiátrico,” concluiu.

Na sequência, Bárbara Coelho contou aos participantes do Seminário suas experiências nos consultórios de rua. “Ao me deparar com a cena de uso de droga na rua tive que me despir daquilo que eu já tinha de construção social, imaginária e moral. Isso que o Bruno disse sobre ser cultural com relação a todos os mitos que são produzidos em torno dessa questão das drogas”, afirmou a psicóloga.
Na opinião de Bárbara, uma das primeiras constatações quando inicia o trabalho nas chamadas cracolândias é que “justamente a cracolândia não existe, mas trata-se de um efeito de um discurso marginalizante em torno daquela região”.

A contexto social foi a abordagem central de Marcus Vinicius de Oliveira Silva, que iniciou dizendo que quem tem problemas com drogas é porque não sabe controlar o seu gozo. “Temos que refletir sobre a sociedade na qual aprendemos a gozar e aí é preciso pensar como é que socialmente, dos pontos de vista histórico e social isto está colocado. Lembrem-se que a substância que constituiu o primeiro modo de construção colonial foi o álcool, que fazia parte da ração como recompensa, como manejo do próprio processo de dominação”, pontuou.

“Nós não sabemos discutir racismo e não conseguimos falar sobre desigualdade social. O crack só se tornou problema quando o estado de bem-estar social viveu seu momento mais eufórico da sociedade brasileira, quando houve melhora na renda geral da sociedade e essas pessoas passaram a ser parentes dessas que ficam na rua. Portanto, se nós psicólogos quisermos fazer um avanço na nossa intervenção no tema álcool e drogas, teremos que recolocar o tema do racismo e da desigualdade social para compreender a produção desses sujeitos que usam drogas”, disse ele antes de passar a palavra para Maria Lúcia Karan.

A juíza então encerrou a fase de exposições lembrando que a proibição é que tornou as drogas ilícitas e criminalizou a conduta de seus produtores e consumidores. “A simples declaração de guerra contra as drogas já mostra o descompromisso dessa política com os direitos fundamentais dos indivíduos. A proibição acrescenta danos muito mais graves que as drogas em si mesmas”, afirmou.
Ela classificou de “irracional” a decisão de enfrentar o problema de saúde com sistema penal, pois assim o Estado agrava esse próprio problema de saúde. Em sua opinião, a guerra às drogas mata muito mais do que as drogas. “E não é um combate contra as coisas, mas contra as pessoas. Os inimigos nesta guerra são os pobres, marginalizados, não brancos, desprovidos de poder.  A proibição do consumo das drogas foi instituída e se mantém sobre o pretexto de proteção a saúde, mas esse pretexto revela um dos maiores paradoxos insanos da política: ela causa maiores riscos e danos à mesma saúde que enganosamente anuncia que quer prever e proteger. As drogas são consideradas proibidas sem levar em consideração a quantidade a ser consumida, falam apenas de riscos, danos, dependência”, encerrou a advogada.



– CRP PELO INTERIOR –