Álcool e outras drogas: a construção do não-humano

Os direitos humanos no Brasil vêm sofrendo fortes ataques de forças políticas conservadoras e fundamentalistas. No âmbito do tratamento dos usuários de álcool e outras drogas, o Sistema Conselhos de Psicologia tem se posicionado contra os retrocessos que colocam em xeque as liberdades individuais dos usuários. “Não tem sido fácil ser confrontado diariamente por propostas salvacionistas endereçadas aos usuários de drogas, dispostas a resolver, de modo absolutamente autoritário, essa questão”, afirmou a psicóloga e membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP (Conselho Federal de Psicologia), Rosemeire Aparecida, durante o segundo dia de debate da Semana da(o) Psicóloga(o).

Com o tema “Internações forçadas de usuários de drogas: desconstrução da humanidade como resposta ao sofrimento”, o debate foi realizado no dia 20 de agosto e contou com a presença do delegado da Policia Civil do Rio de Janeiro e autor do livro “Acionistas do Nada”, Orlando Zaccone; de Rosimeire Aparecida, que também é membro do Conselho Nacional de Saúde pelo CFP e militante do Fórum Mineiro de Saúde Mental; com a coordenação da presidente do CRP-MG, Marta Elizabete de Souza.

Durante sua fala, Rosimeire destacou a ausência dos usuários no debate das políticas públicas de álcool e drogas e criticou a internação involuntária enquanto medida de tratamento, tal qual está disposto no Projeto de Lei Complementar (PLC) 37/2013, em tramitação no Senado Federal. Ao adotar essa medida, a psicóloga acredita que o Estado brasileiro institui um regime de exceção, em pleno regime democrático. “A Reforma Psiquiátrica tem sido duramente interpelada aos usuários de drogas no direito à liberdade como inalienável”, reivindica.

O PLC 37/2013, de autoria do deputado Osmar Terá (PMDB/RS), altera a Lei Antidrogas (11.343/06), prevendo a internação involuntária dos usuários a pedido de familiar ou responsável legal. Na falta destes, a internação pode ser feita a pedido de funcionário público da área da saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad).

Rosimeire enfatizou que “a política pública sobre drogas está absolutamente intoxicada pela moral”, o que impede que os legisladores brasileiros percebam que a droga não é o problema, mas que “os sujeitos veem nas drogas uma solução para seus problemas”. Ela ainda criticou “a guerra às drogas”, que até hoje não produziu redução de consumo, de produção, nem tampouco do comércio ilícito, mas produz a redução de vidas humanas. “Morre-se muito menos pela alucinação de prazer e muito mais por uma política que proíbe e interdita”, provoca.

Desconstruções e estratégias

O delegado da Polícia Civil, Orlando Zaccone, começou sua fala problematizando o tema da mesa: “desconstrução da humanidade como resposta ao sofrimento”. Zaccone lembrou que em nome da humanidade muitas atrocidades forma cometidas na história e propôs a defesa do não-humano. “Se a guerra às drogas é feita a favor da humanidade, significa que quem está do outro lado é o não-humano. Estaremos então desumanizando-os”, esclareceu sobre sua provocação.

Em sua intervenção, o delegado também discutiu os conceitos de crime, lei e cura. De modo geral, Zaccone explica que o crime é uma construção social, assim como o criminoso; a lei, bem como o direito, é construída para aqueles que se normatizam por meio dela; e a cura ganha força com a biopolítica, que introduz a ideia de saúde e qualidade de vida.  Ele também criticou o encarceramento e convidou o movimento antimanicomial a se somar à luta antiprisional. “Temos que lutar pelos direitos dos indignos, pois no dia em que eles tiverem direitos, toda a sociedade também o terá”, provocou.

Tanto Zaccone, quanto Rosimeire apontaram a redução de danos e o atendimento extramuros como estratégias para o tratamento dos usuários de álcool e outras drogas. Rosimeire reforçou a aposta no tratamento caso a caso, orientando-se pelo singular, já que não existe uma política universal, nem tratamento único. Ela destacou que não se pode trabalhar com a ideia de que só a internação trata, afirmando que em 80% dos casos de internação o tratamento fracassa. “Tratamos melhor o sujeito em seus laços sociais, fortalecendo ou refazendo esses laços”, garantiu.

Durante o evento, o Fórum Mineiro de Saúde Mental, através de sua coordenadora Eliana Moraes, e Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (ASUSSAM), através de seu presidente Edmundo Veloso, foram homenageados pela atuação na luta antimanicomial. O segundo dia da Semana da(o) Psicólogo(a) se encerrou com o debate dos participantes e o convite para as demais atividades que serão realizadas na semana.

Confira AQUI as fotos do debate “Internações forçadas de usuários de drogas: desconstrução da humanidade como resposta ao sofrimento”.



– CRP PELO INTERIOR –