Álcool e outras drogas

“O recolhimento compulsório retira o usuário por um período, limpando o centro das cidades, sem tratar a questão da droga. Trata-se de uma política para pessoas pobres. Não vejo nenhuma política pensada pelo governo para tratar quem usa outras drogas”. A crítica às medidas de “higienização” em diversos estados do Brasil, com destaque para o município do Rio de Janeiro, foram apontadas pelo coordenador do Movimento Social de População de Rua, Samuel Rodrigues, durante o seminário “Álcool e outras Drogas: um desafio para as/os profissionais de Saúde”, organizado pelo Fórum dos Conselhos Federais da Área da Saúde (FCFAS). O evento foi realizado na sede do Conselho Federal de Psicologia na segunda-feira (19) e acompanhado por 2287 pontos conectados online.

Sobre o tema da internação compulsória, o também palestrante do evento e coordenador adjunto de saúde mental do Ministério da Saúde, Leon Garcia, acredita ser este um dos principais pontos que o governo deve aprimorar na discussão sobre as drogas. É preciso, segundo ele, criar uma maior interlocução com o Judiciário para formar um direcionamento comum em relação à internação.

Garcia lembrou que o debate sobre as drogas no Brasil, apesar de intenso, tem sido marcado por grande desconhecimento, com discursos que, ao invés de esclarecerem, geram medo e pânico. “O usuário de drogas é um sujeito de direito e isso não é reconhecido por todos os setores da sociedade neste momento. É preciso afastar a cortina de fumaça do crack e observar o contexto psicossocial dos usuários”, enfatizou.

Debate crítico

A importância de identificar na sociedade determinados consensos e como estes contribuem para a violação de direitos também foi defendida pela assistente social e conselheira do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad), Cristina Brites. “Este tipo de evento visa gerar um debate crítico, que reconhece que o uso de drogas é diverso e que não pode identificar todo e qualquer usuário como dependente”, explicou.

A assistente social também criticou a perspectiva proibicionista que permeia as políticas sobre drogas no Brasil. “Esta visão, de um mundo sem drogas, no meu entender é irrealizável. O debate crítico reconhece a relação histórica dos homens com as drogas, que elas são criadas pelo próprio homem e cumprem determinado significado”.

A especialista em saúde coletiva e mental e sócia fundadora do Coletivo Balance de Redução de Danos, Luana Malheiro criticou o tipo de consumo atual ser configurado como epidemia, pois “em nome dessa classificação temos a justificativa para uma série de políticas higienistas e iatrogênicas, que deveria resolver um problema, mas acaba gerando outros”.

Redução de danos

Ouvir o usuário e inserí-lo no processo de recuperação foi apontado por Luana Malheiro como fundamental. A especialista relatou a experiência realizada no Centro Histórico de Salvador, que ouviu usuários com 8 a 15 anos de uso controlado do crack, para entender seu contexto de vida e atuar melhor na redução de danos. “Quando pensamos na redução de danos é preciso ouvir o usuário, suas experiências para que seja possível chegar a um acordo com ele. Se o sujeito solicita abstinência ou o uso, vamos trabalhar com ele na perspectiva apontada”, explicou.

Malheiro destacou que é essencial o resgate da história social de vida para compreender o sujeito para além da substância “na trajetória de vida dos sujeitos analisados, observa-se um itinerário de desassistências que vai desde a falta de equipamentos públicos até a desagregação familiar, fatores que nos ajudam a compreender o mundo da vida destes sujeitos”, apontou.

Tratamento humanizado

“Não temos que aprender a lidar com as drogas, quem lida com drogas é traficante. Precisamos aprender a lidar com gente”, alertou o fundador da Associação Brasileira de Redução de Danos (Aborda), Domiciano Siqueira. Para ele, o desafio para a construção de uma política pública de drogas é voltar no tempo e entender porque a atual está proposta dessa forma e compreender que esse instrumento não é só um jargão político, mas que nós somos responsáveis por ela, “na realidade as políticas públicas não são feitas pelo governo e colocadas à disposição da sociedade, mas é ao contrário, a sociedade faz e o governo segue”, destacou.

A secretária adjunta da saúde em São Bernardo do Campo, Lumena Furtado compartilhou a experiência do município ao cuidar do usuário respeitando os direitos humanos. Em sua fala, ressaltou que hospitais psiquiátricos e locais de internação fechada não podem fazer parte da rede, que é preciso resgatar a autonomia do usuário e não fazer uso da internação compulsória. “Estabelecer vínculo é um pressuposto importante. Os serviços tem que ser territorializados, de forma que a equipe possa criar vínculos com os vários espaços, grupos e lideranças daquele território”, indicou.

“Estamos num processo de disputa muito grande na construção do projeto de cuidado. Acho que o jeito de cuidar baseado na internação compulsória, em práticas higienistas, na abstinência total são formas diferentes daquelas pautadas nos direitos humanos. Por isso a importância de colocar essas frentes de cuidado em debate, pois essa disputa não tem sido feito de forma igual”, alertou.

 Fonte: Site do CFP



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