CFP lança relatório recomendando o fechamento de hospitais psiquiátricos por violação de direitos

“Fechamento da porta de entrada, para que não sejam realizadas novas internações e, com isso, iniciar o processo de planejamento de alta de todas as pessoas internadas, com vista à desinstitucionalização, em cumprimento à lei”. Essa é a recomendação final da publicação “Hospitais psiquiátricos no Brasil: relatório de inspeção nacional”, lançada nesta segunda-feira, 2, no Ministério Público do Trabalho (MPT), em Brasília. Ela reúne os resultados da Inspeção Nacional em Hospitais Psiquiátricos, realizada em dezembro de 2018, em 40 instituições psiquiátricas de 17 estados da federação, distribuídos nas cinco regiões brasileiras. A elaboração do documento é uma iniciativa do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e do próprio MPT.

O objetivo principal da inspeção foi investigar a realidade de pacientes com sofrimento mental internados em hospitais psiquiátricos e verificar se há cumprimento ou não de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, assim como de leis e regulamentação específica sobre cuidados em saúde mental. O trabalho trouxe à tona a situação atual desses estabelecimentos que prestam serviços para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Para a operacionalização da Inspeção Nacional foram criadas, no âmbito dos estados, coordenações compostas pelos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), Ministérios Públicos Estaduais (MPEs) e Procuradorias Regionais do Trabalho (PRTs) e órgãos autônomos com representantes de conselhos de classe, do sistema de Justiça, de organizações e segmentos da sociedade civil, de órgãos de prevenção e combate à tortura, além de universidades e órgãos das secretarias de Saúde. Em Minas, foi formada uma equipe de oito profissionais coordenada pelo psicólogo Filippe de Mello, que na época era conselheiro e coordenador da Comissão de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG).

As(os) profissionais que atuaram na inspeção utilizaram como base para o trabalho a abrangência da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) às pessoas com sofrimento e/ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de drogas; a proibição da internação em instituições com características asilares segundo a Lei nº 10.216, de 2001; e a compreensão sobre privação de liberdade e tortura a partir da Lei n. 12.847, de 2013.

Violação de direitos – “Nossa missão foi conhecer o espaço e dinâmicas que ali aconteciam, a estrutura física, as relações e as condições de trabalho. Por isso a parceria com o Ministério Público do Trabalho. E o que encontramos não pode ser chamado de cuidado ou tratamento”, assinala o representante do CRP-MG nas inspeções. “A ação conseguiu desvelar o que os hospitais tanto se esforçam para esconder: o sofrimento produzido pela sociedade sobre os sujeitos. Uma sociedade que é feminicida, racista e genocida com a população negra. Posso dizer que encontrei ali uma cota de perversidade da instituição”, descreve Filippe de Mello.

Sobre a perspectiva do SUS, o ex-conselheiro do CRP-MG alerta para a incoerência e violação de direitos dos procedimentos adotados pelo hospital visitado. “Detectamos um número exacerbado de encaminhamentos das cidades próximas que poderiam ser acolhidos em seus territórios. Vimos uma diferença discrepante entre a ala SUS e a ala de pacientes privados. Na primeira, encontramos péssimas condições de higiene, quartos com muitas camas, setor de enfermagem desqualificado, equipe de trabalho reduzida e adoecida, grades como se abrigassem animais selvagens e uma situação parecida com a do sistema prisional brasileiro. Na internação particular, que é a ala de entrada do hospital, nos mostraram o oposto”, detalha.

Lógica manicomial e hospitalocêntrica – Conforme os dados divulgados pelo Ministério da Saúde, desde 2017 vem crescendo o investimento público neste tipo de estabelecimento de características asilares, retornando para a cultura manicomial e revertendo as estratégias do cuidado em liberdade preconizadas pela Reforma Psiquiátrica. O movimento nascido no Brasil, em 1978, por trabalhadoras(es) em saúde mental, que construiu coletivamente a chamada Luta Antimanicomial, foi crítico ao modelo hospitalocêntrico, e produziu nos últimos 40 anos, uma rede de cuidados com um novo olhar sobre a loucura.

“No Sistema Único de Saúde, nós, trabalhadoras(es), usuárias(os) de saúde mental e seus familiares, participamos ativamente da criação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), preconizando o cuidado em liberdade, a intersetorialidade e a oferta de serviços de saúde: atenção básica em saúde, atenção psicossocial especializada, atenção de urgência e emergência, serviços residenciais terapêuticos, atenção hospitalar, estratégias de desinstitucionalização e reabilitação psicossocial. Agora estamos enfrentando um desmonte do SUS operado pelo próprio governo federal. Este relatório é a prova concreta dessa ação institucional”, afirmou a conselheira presidenta do CRP-MG, Lourdes Machado, durante a cerimônia de lançamento do “Hospitais psiquiátricos no Brasil: relatório de inspeção nacional”.



– CRP PELO INTERIOR –