Ciclo de eventos enfocou as questões sociais da prostituição

“O que nós psicólogos e psicólogas temos a ver com a prostituição? Ao pensar na prostituição como uma questão social, que se articula exclusivamente com a necessidade daquela mulher ou daquele homem em comercializar o sexo, o psicólogo pode acolher se isso causar algum dano. Trata-se de um demanda clínica. Se olhar pela perspectiva dessa atividade como sendo algo da ordem do humano, do desejo do sujeito e dos direitos sexuais, então nossa profissão tem muito a dizer e a fazer no sentido de propor uma ampliação do espaço de forma livre, reivindicando seu lugar na sociedade. Esse é o ponto de partida que chegamos para essa discussão”. Dessa forma, Roberto Chateubriand Domingues, psicólogo e presidente do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais (CRP-MG) abriu o evento desta quarta-feira (10/6). Clique aqui para ver as fotos do evento.

O debate “Encontros com a prostituição: desafios metodológicos para a Psicologia” aconteceu na sede do Conselho, integrando o ciclo de eventos semanais “Psicologia em Foco”, que é promovido às quartas-feiras, a partir das 19h, com o objetivo de propiciar o envolvimento de psicólogas e psicólogos nas discussões dos temas que afetam diariamente a profissão, mostrando a grande abrangência da atuação destes profissionais na pauta diária da sociedade.

Abrir a escuta sem pré-conceitos – Após a abertura realizada por Domingues, a psicóloga Letícia Cardoso Barreto, doutoranda do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), fez sua exposição chamando a atenção dos profissionais da área para pensar a prostituição se colocando no seu contexto. “É preciso conhecê-las sem utilizar o que achamos que sabemos sobre elas. Sair de si e prestar atenção no que realmente está sendo dito. Durante o atendimento, muitos de nós queremos saber como ajudá-las, mas não nos interessamos em como elas podem ajudar a sociedade”, disse ela.

Em seguida, Maria Aparecida Menezes Vieira, presidente da Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), falou sobre as demandas dos profissionais do sexo “temos muitas violações de direitos e por isso criamos nossa instituição. Nossa luta é pela regulamentação da nossa profissão. Só com o reconhecimento da profissão teremos acesso a políticas públicas”.

Segundo a presidente da Aprosmig, o reconhecimento profissional pode colaborar contra o preconceito que as pessoas têm, de um modo geral. Como exemplo, Maria Aparecida citou que são elas os principais veículos de doenças sexualmente transmissíveis. No entanto, contou que a Associação distribui preservativos e faz um amplo trabalho de conscientização. “Somos multiplicadoras de saúde, convencemos as profissionais a fazerem prevenção e ir ao médico regularmente. Mas existem muitas pessoas que fazem sexo casualmente, sem ser por dinheiro, transmitindo as DSTs e a culpa acaba recaindo sobre nós”, relatou.

Conforme os números apresentados por Maria Aparecida, hoje são mais de quatro mil mulheres somente da rua Guaicurus, e 80 mil pessoas que atuam na área em Belo Horizonte, entre mulheres, homens, travestis e transexuais.

Contribuição da psicologia – Na sequência, os participantes fizeram perguntas e comentários criando uma roda de conversa sobre o tema. Uma observação colocada por algumas estudantes de psicologia presentes no debate foi a importância da vivência dos estágios e do próprio ciclo “Psicologia em Foco” vêm proporcionando, fazendo com que não se pense no sujeito como um objeto de estudo, mas analise as situações a partir de uma troca, de um aprendizado.

Márcia Mansur, professora de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC), compartilhou sua vivência na coordenação do estágio junto à Aprosmig. “Vemos o tempo todo que a prostituição não é um campo homogêneo. Temos mulheres oprimidas, que demandam um acolhimento social, e outras realizadas, com um discurso afirmativo. Portanto temos linhas de atuação diferentes na Associação. Duas mais políticas: o movimento de prostitutas que estão se afirmando, ganhando visibilidade; e movimento da própria gestão da associação, de se apropriar do mesmo discurso político na sociedade. Mas também uma ação, um trabalho psicossocial diretamente ligado às prostitutas”, explicou.

Roberto Domingues encerrou o evento reafirmando a importância da escuta por parte das psicólogas e psicólogos, sem correr riscos de generalizar a prostituição. “A questão de gênero está atravessada integralmente nessa discussão. Enquanto as mulheres saem de casa para trabalhar como profissionais do sexo, os garotos de programa declaram que estão de passagem pois, profissionalmente, exercem outra atividade. Quando vemos, então, as mulheres trans temos outra vulnerabilidade, já que elas sofrerem violência porque ousam transitar no seu gênero. Esse olhar que a psicologia consegue ter pela diversidade é sua grande contribuição”, concluiu.



– CRP PELO INTERIOR –