Congresso atendeu objetivo de qualificar psicólogas(os) interessadas(os) no uso terapêutico da cannabis

Evento realizado pelo CRP-MG foi espaço para que usuárias(os), familiares e expertises de todo o Brasil pudessem compartilhar informações e evidências científicas sobre o poder terapêutico da planta.

Na vanguarda das discussões sobre o uso terapêutico da cannabis, o Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG) vem trabalhando o tema desde 2018 e agora culmina com a realização do 1º Congresso de Psicologia e Cannabis, juntamente com a PsicoCannabis – Rede Brasileira de Psicologia especializada no uso medicinal / terapêutico da cannabis e seus derivados. O evento aconteceu no Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, nos dias 26, 27 e 28 de abril. Teve como objetivo central propiciar um espaço para que expertises de todo o Brasil, que já atuam no tema do uso terapêutico da cannabis, pudessem compartilhar atualizações, informações qualificadas e evidências científicas para subsidiar profissionais de Psicologia para seu manejo, num posicionamento ético-político em sintonia com a realidade.

Para a realização do Congresso, CRP-MG e PsicoCannabis contaram ainda com a parceria da Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA+ME), do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e do Conselho Regional de Psicologia – São Paulo (CRP-SP).

A expectativa das entidades organizadoras do Congresso foi de que ele oportunizasse às(os) psicólogas(os) participantes:

– maior compreensão sobre o recém descoberto Sistema Endocanabinoide, cuja função é ajudar a mediar o equilíbrio do organismo atuando junto aos sistemas nervoso central e periférico, endócrino, e aos tecidos imunológicos e ao metabolismo;
– conhecimento das experiências exitosas de outros países;
– entendimento sobre a importância de se engajar na luta das famílias que enfrentam dificuldades para acessar os medicamentos à base da cannabis, em função dos altos custos;
– informações acerca dos benefícios reconhecidos da cannabis terapêutica para pessoas com ansiedade, depressão, dores crônicas, Alzheimer, Mal de Parkinson, epilepsia, Transtorno do Espectro Autista (TEA), processos inflamatórios, baixa imunidade, problemas com o sono, entre outros;
– reflexões sobre a crescente medicalização da sociedade para gerar bem-estar;
– mais conhecimento para que possa auxiliar com mais eficácia a classe médica que prescreve a cannabis terapêutica;
– segurança ética e técnica para quebrar os tabus que cercam a cannabis relacionados às alterações psíquicas;
– orientação para ofertar o suporte adequado e respeitoso à pacientes e seus familiares; e
– consciência sobre como todos os pontos acima elencados dizem sobre defesa dos Direitos Humanos, base do Código de Ética Profissional da(o) Psicóloga(o).

Mais que isso, para compreender a relação da Psicologia com a cannabis terapêutica no nível de realizar um evento do porte do Congresso, Anderson Matos, conselheiro e coordenador da comissão relacionada ao tema no CRP-MG, foi enfático durante a abertura das atividades: “profissionais qualificadas podem orientar adequadamente e com propriedade acerca dos efeitos advindos do uso da substância, proporcionando tranquilidade e suporte adequado acerca desses eventuais efeitos, dimensionando junto ao paciente e cuidadores um uso seguro, orientando quanto à efeitos esperados, indesejados e/ou colaterais. O bom manejo na orientação do paciente contribui para que o tratamento obtenha um grau de satisfação que assegura sua continuidade”. Ele completou lembrando a relação estreita que profissionais de Psicologia costumam manter com seus pacientes, próximos de seu sofrimento e de sua subjetividade, e são, por esta característica, vocacionados à uma escuta eficiente.

Momento histórico – A abertura de todo grande evento é sempre um marco, pois traz convicções e expectativas das autoridades organizadoras. A mesa solene do 1º Congresso de Psicologia e Cannabis não fugiu à regra: representantes das entidades organizadoras e apoiadoras ressaltaram o valor do evento e a coragem para sua realização pelo seu pioneirismo.

A psicóloga e integrante da Rede PsicoCannabis, Yone Monteiro, celebrou os encontros proporcionados pelo evento. Há mais de 30 anos, ela atua na redução de danos e realçou o papel das mulheres na busca por tratamentos para maridos, pais, filhos e irmãos. “Estamos aqui graças a muitas pessoas, inclusive mulheres anônimas que encontraram nessa planta milenar a cura para seus filhos e tiveram coragem de cometer a desobediência civil e produzir o óleo de canabidiol para curá-los e a si mesmas”. Yone também assinalou a importância da Rede PsicoCannabis, espaço de articulação de psicólogas(os) interessadas no tema, e da instituição da Comissão de Orientação em Psicologia em Tratamentos com Cannabis Terapêutica no âmbito do CRP-MG.

O conselheiro do Conselho Federal de Psicologia, Roberto Domingues, explicou que a discussão sobre Psicologia e Cannabis atende a uma proposição aprovada por psicólogas(os) no Congresso Nacional da Psicologia, instância que reúne representantes da categoria a cada três anos para definir as diretrizes que devem nortear a atuação do Sistema Conselhos. “Ao assumir esse compromisso com a temática, o Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais torna-se pioneiro no Brasil”, enfatizou. O conselheiro também reforçou a expectativa de que o debate sobre a maconha sirva de porta de entrada para a política de drogas no Brasil de forma que seja tratada como questão de saúde e não de polícia.

“Momento histórico”, assim a psicóloga e pró-reitora de extensão da UFMG, Claudia Mayorga, definiu a realização do Congresso. “Esse é um tema que interessa a sociedade e nós, como universidade pública, abraçamos desde o primeiro minuto, pois sabemos da importância de acolhermos os assuntos emergentes, marginalizados e excluídos”, afirmou. A pró-reitora também enfatizou a repercussão que o diálogo deve proporcionar nos diversos âmbitos universitários, como o ensino e a pesquisa.

Para concluir a mesa de abertura, a presidenta do CRP-MG, Suellen Fraga, localizou o evento como um marco histórico para a Psicologia e também reafirmou as proposições da categoria no âmbito dos Congressos Regional e Nacional. “A categoria aponta a necessidade emergente do tema da Cannabis na Psicologia, e o CRP-MG, enquanto autarquia regulamentadora e orientadora da profissão, deve produzir referências para que a Psicologia não se furte desse assunto. Nós, psicólogas, devemos entender que a discussão da maconha não é uma questão moral, mas um posicionamento ético-político, que deve reverberar em todas as áreas de atuação profissional”, explicou. Suellen Fraga realçou ainda as vidas majoritariamente estigmatizadas pelo uso da Cannabis: as vidas pretas e periféricas. Segundo a presidenta, é esse conjunto de olhares que orienta o posicionamento do XVII Plenário em relação à interface entre Psicologia e Cannabis.

Diálogos qualificados – Como resposta às expectativas do Congresso, as entidades organizadoras definiram uma programação que contemplasse todos os assuntos relacionados à cannabis terapêutica, sempre colocando como protagonistas das apresentações o equilíbrio entre ciência e prática. A fórmula então contou com expositoras(es) das diversas áreas de saber tais como psicólogas(os), médicas(os), farmacêuticas(os), advogadas(os) e aquelas que vivem a prática do uso e da busca pelo direito ao plantio e acesso da maconha: usuárias(os), mães e demais cuidadoras(es) e representantes de associações.

Para dar conta dessa abrangência de conhecimentos e experiências o Congresso ofereceu os debates: “Necropolítica da proibição da maconha no Brasil”, “Psicologia, Cannabis e Direitos Humanos”, “Curas ancestrais no Rito da Jurema”, “Proibicionismo e saúde mental: entraves ao cuidado com Cannabis”, “Maconha, ciência e saúde: avanços e desafios”, “Estratégias de acesso ao tratamento canabinóide no Brasil”, e ainda “Transdisciplinaridade e Cannabis: na contramão da patologização medicalizada”, “As mulheres e a Cannabis na América Latina”, “Medicina e terapias canabinóides” e “Associações, suporte aos pacientes, pesquisa e ensino”.

Em uma perspectiva de compartilhamento de ideias e solução de dúvidas, a programação contou ainda com as seguintes oficinas, minicursos e rodas de prosa: “Culinária canábica e redução de danos”, “Maconha, manifestação artística e resistência cultural”, “Co-visão: é possível uma clínica canábica?”, “Psicanálise e maconha”, “Introdução à redução de danos” “Saúde mental e Cannabis”, “Mulheres, Cannabis e Psicologia”, e também “Sistema Endocanabinóide e Psicologia”, “Sistema carcerário, racismo estrutural e maconha”, “Rituais de si, por uma Clínica-Poética: a integração na psicoterapia canábica”, “Movimentos sociais e antiproibicionismo”, “Psicologia, Cannabis e Psicodélicos”, “Psicologia, Religião e Cannabis”, “Psicologia e Redução de Danos”, “Soberania alimentar, saúde e culinária canábica”, “Farmácias Vivas e a Cannabis no SUS: saberes populares e saúde integrativa”, “Cannabis e infância” e “Psicologia, Psiquiatria e Cannabis”.

Olhar para o futuro – A psicóloga Iolly Almeida veio de Teófilo Otoni participar pela primeira vez de um evento do CRP-MG com muitas dúvidas e curiosidades e leva na bagagem de volta a certeza que precisa se implicar para que a categoria de um modo geral conheça e reconheça os benefícios da maconha. “Cheguei aqui e pensei ‘como eu, uma profissional de uma cidade do interior, vou lidar com isso? Como vou postar em minha rede social que estou em um congresso que aborda psicologia e maconha?’. Quando vi esse congresso logo pensei ‘isso está mesmo acontecendo? É uma realidade paupável?’. Então me deparei com a grandiosidade dos debates. Sei que preconceito está instalado na nossa sociedade, nas nossas casas, mas tenho certeza, mais que nunca, que precisamos falar sobre isso, normalizar que maconha é medicinal para que as pessoas possam contar conosco”, relatou.

Iolly não tem dúvidas que os benefícios da cannabis são reais e depende de toda a sociedade a união de esforços para quebrar os tabus e lutar pelo acesso universal e gratuito por meio do Sistema Único de Saúde. “Encontrei aqui pessoas motivadas, com muito conhecimento científico, mas que precisam de espaço para crescer e ajudar outras pessoas. Este congresso não só atingiu minhas expectativas como as ultrapassou. Me proporcionou um universo de reflexões e uma vivência, que me fazem sair daqui outro ser humano. Sou agora uma psicóloga diferente, que deseja muito contribuir de alguma forma para melhorar o acesso da população à planta. Convido colegas psis e de outras profissões a se juntarem a nós porque não cabe somente à Psicologia essa luta”, pontuou realçando ainda a necessidade de expandir horizontes, de se informar por meio de reflexões e saberes sérios: “convido minhas e meus colegas a estudar, ler artigos, conhecer as evidências científicas que são irrefutáveis”.

Cleuza Ladário, mãe de Samuel, 16 – desde os dois anos de idade enfrenta uma série de problemas de saúde – é cultivadora com Habeas Corpus, prepara o óleo do filho. O ativismo pela Cannabis nasceu pela necessidade do filho usar o óleo. Ela veio para o Congresso partilhar sua história e encorajar as(os) participantes a se engajarem na luta pelo acesso público à cannabis de qualidade. “Tem momentos que é muito difícil lidar com ele e a Psicologia tem me dado suporte. Uma mãe atípica como eu precisa contar com uma rede de apoio porque todos os dias somos jogadas no chão, sem saber até onde vamos aguentar”, desabafa garantindo que “a maconha é uma planta totalmente neurológica”.

Sua participação no Congresso é o espelho destes 14 anos de jornada pelo direito ao acesso à planta: “tenho grupos de mães pois fui ficando conhecida pela minha luta. As pessoas me procuram muito para saber sobre dosagem, sobre cultivo. Meu trabalho é divulgar o que sei. Sou uma ativista canábica com a missão de desmistificar. Sou uma senhora evangélica e acredito que isso me dá mais liberdade para falar sobre a cannabis e quebrar seus tabus. Vivo de gratidão por ter essa planta na minha vida. Deus tem me dado coragem para enfrentar todos os preconceitos, até mesmo o religioso e familiar. Mas pelo meu Samuel faço qualquer coisa”, conclui.

O conselheiro Anderson Matos encerrou o evento também em um misto de satisfação e atenção com o futuro. “Tivemos uma adesão fantástica, pessoas de vários estados do Brasil fazendo recorte multidisciplinar e transdisciplinar com diversos campos do saber do ecossistema da cannabis. Fundamental também a presença das mães e cuidadoras, que tem relatos extremamente tocantes e potentes que legitimaram o Congresso. Quem participou encontrou interlocução, novidade, acolhimento e eco. Agora temos que buscar repercussão política para as pessoas que buscam acesso ao medicamento, além de fazer a sociedade em geral compreender que maconha é benigno, que é remédio e que pode fazer uma mudança no espectro da ideologia”, espera. Segundo o psicólogo, um dos grandes desafios ainda é o debate sobre a regulamentação de mercado de cannabis que produza verdadeiramente justiça social.

Para ele, até aqui, coube à Psicologia o papel de reunir os saberes em torno do assunto, já que é a ciência que vê o sujeito na sua integralidade. “Mas me parece que o que ocorreu aqui foi um chamamento para uma multidisciplinaridade, para a transdisciplinaridade, dando ênfase aos atores sociais, a esse papel importantíssimo dessas mulheres que são símbolo dessa luta, que enfrentam na pele as dificuldades do acesso aos produtos de cannabis para seus filhos com doenças, e ainda aquelas mulheres que têm seus filhos apreendidos e perdidos para a guerra às drogas”, assinalou confirmando o compromisso do CRP-MG em permanecer propondo o diálogo.

Programação científica acessível – Todas as mesas do 1º Congresso de Psicologia e Cannabis foram gravadas e estão disponíveis para serem assistidas e compartilhadas a qualquer momento, a partir do canal do CRP-MG no youtube youtube.com/@ASCOMCRPMG. Confira, então, a seguir os vídeos organizados por turnos da programação.

1º Congresso de Psicologia e Cannabis | 26/04/2023
– Abertura Oficial
– Conferência Magna: Necropolítica da proibição da maconha no Brasil
– Mesa 1 – Psicologia, Cannabis e Direitos Humanos

 

1º Congresso de Psicologia e Cannabis | 27/04/2023 | Manhã
– Intervenção: Pai Alex e as curas ancestrais no Rito da Jurema
– Mesa 2 – Proibicionismo e saúde mental: entraves ao cuidado com Cannabis

 

1º Congresso de Psicologia e Cannabis | 27/04/2023 | Tarde
– Mesa 3: Maconha, ciência e saúde: avanços e desafios
– Mesa 4: Estratégias de acesso ao tratamento canabinóide no Brasil

 

1º Congresso de Psicologia e Cannabis | 28/04/2023 | Manhã
– Mesa 5: Transdisciplinaridade e Cannabis: na contramão da patologização medicalizada.
– Mesa 6: As mulheres e a Cannabis na América Latina

 

1º Congresso de Psicologia e Cannabis | 28/04/2023 | Tarde
– Mesa 7: Medicina e terapias canabinóides
– Mesa 8: Associações, suporte aos pacientes, pesquisa e ensino



– CRP PELO INTERIOR –