Consumo irracional de medicamentos

O uso irracional e desenfreado de medicamentos preocupa profissionais da saúde. Em relação a automedicação, uma pesquisa feita no primeiro semestre deste ano pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) revela que 76,4% da população brasileira faz uso de medicamentos a partir da indicação de familiares, amigos, colegas ou vizinhos. A cultura da medicalização mudou hábitos da população e aumenta a cada ano, fator que opera na contramão da qualidade de vida, avalia a psicóloga Michelle Aleixo, que atua no Vale do Aço.

A psicóloga clínica e do esporte é coordenadora do Grupo de Trabalho de Medicalização do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), no Vale do Aço, movimento que ganha força em todo o mundo e que preconiza a discussão da chamada medicalização da vida. Aleixo foi uma das organizadoras do II Seminário sobre Medicalização da Educação e da Sociedade do Leste de Minas Gerais, promovido pelo CRP-MG, no dia 28 e 29, em Coronel Fabriciano.

Michelle Aleixo critica o que chama de cultura da artificialidade. No enfrentamento a quaisquer questões sociais e psicológicas, a medicação é a primeira atitude a se pensar, erroneamente. “A título de exemplo, um indivíduo perdeu alguém importante para ele e é normal que ele sinta tristeza, chore. O que tem acontecido é que as pessoas não querem sofrer, e então elas se medicam – automedicam, inclusive. As pessoas têm vivido artificialmente”, argumenta.

O ponto levantado pela especialista pode ser ilustrado por um levantamento feito a pedido da “Folha de São Paulo” à consultoria IMS Health. O estudo publicado este ano informa que a venda de benzoadiazepínicos (medicações tranquilizantes) aumenta a cada ano no país. O número de caixinhas de calmantes vendidas entre 2009 e 2013 no Brasil, subiu de 12 milhões para 17 milhões por ano.

“Até vitaminas são ingeridas artificialmente. As pessoas nem estão alimentando da forma como deveriam, porque há um produto com aquela vitamina, ou outro composto. A nossa discussão é para tentar conscientizar as pessoas de que a vida tem sofrimento e o processo de viver traz no bojo coisas que temos que lidar”, pontua Michelle Aleixo.

O tema da medicalização, todavia, vai além do mero consumo indiscriminado de remédios. Questões não médicas têm se tornado problemas médicos, e situações de diferentes ordens são apresentados como doenças, transtornos, ou distúrbios. Classificados como “doentes”, pessoas tornam-se pacientes e consequentemente consumidoras de tratamentos, terapias e medicamentos.

 

Estigma

Esse cenário ocorre na educação infantil, por exemplo. A psicóloga avalia que há um estigma sobre comportamentos das crianças, onde o seu entendimento pode comprometer todo o processo de aprendizagem e desenvolvimento. É o caso de se rotular uma criança agitada como hiperativa. “No setor público, por exemplo, há salas de aulas com 40 alunos ou mais. Como um professor irá parar para observar a história de cada criança? Ele verá a criança agitada e pensará que é Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH)”, observa.

Michele acredita que falta informação aos profissionais de saúde, empenho de governos e políticas públicas que derrubem o estigma da doença em problemas que podem ser de ordem social e da superação de preconceitos e desigualdades. “Esse trabalho da medicalização visa pensar e planejar novas políticas de educação e políticas públicas de saúde mental para que isso não ocorra”, enfatiza.

Fonte: site do jornal Diário do Aço



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