CRP-MG promove debate sobre reforma psiquiátrica e manicômios judiciários

O tratamento destinado a pessoas que têm transtornos mentais e cometeram crimes foi discutido no debate “Reforma psiquiátrica e manicômios judiciários: reflexões a partir do modelo italiano”, promovido no dia 28/11, pelo Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Fundação Franca e Franco Basaglia.

A atividade foi mediada pelo conselheiro e coordenador da Comissão de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, Filippe de Mello, e contou com conferência da socióloga italiana e presidente da Fundação Franca e Franco Basaglia, Maria Grazia Giannichedda. Para assistir o registro do evento em vídeo, clique aqui.

Na abertura do encontro, a psicóloga e representante do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário Portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ), Rosimeire Silva, explicou que a iniciativa do Tribunal de Justiça de Minas Gerais é pioneira no Brasil na forma como responde à questão do louco infrator, pois torna concreta a possibilidade de acompanhamento ambulatorial, sem que ocorra necessariamente a internação para o cumprimento da medida de segurança. O Programa também atua junto aos manicômios judiciários e procura contribuir com a desinstitucionalização daqueles que estão internados. “Depois de mais ou menos um ano e meio de atuação conseguimos desinstitucionalizar 26 pacientes, mas o manicômio não perdeu 26 vagas porque há toda uma engrenagem social de produção de novos ocupantes desse lugar”, apontou Rosimeire.

A psicóloga e referência técnica da Coordenação Estadual de Saúde Mental de Minas Gerais, Viviane Almeida, relatou que a política estadual procura incentivar a atuação do PAI-PJ, especialmente dos núcleos que estão no interior do estado. Atualmente, há três hospitais de custódia em Minas Gerais, situados nos seguintes municípios: Barbacena, Juiz de Fora e Ribeirão das Neves.

A professora do Departamento de Psicologia da UFMG, Stella Goulart, destacou a importância do encontro e a das possibilidades apresentadas pelo aprofundamento do diálogo entre instituições brasileiras e a Fundação Franca e Franco Basaglia.

Cenário italiano – Maria Grazia Giannichedda relatou como a situação do louco infrator tem sido abordada na Itália. A socióloga acompanhou a Reforma Psiquiátrica italiana desde o início, participando de sua formulação original junto a Franco e Franca Basaglia e atualmente integra o Comitê intitulado “Stop Opg” (Fim dos Manicômios Judiciários), que é composto por 30 associações italianas. “Estamos convencidos de que para as pessoas que sofrem de distúrbios psiquiátricos a liberdade e a dignidade caminham junto com a responsabilidade. Sei que querer abolir o manicômio judiciário é um desafio enorme, porque significa levar a sério o Estado de Direito e a democracia e eles não têm uma longa história no nosso mundo”, analisou.

Maria Grazia expliou que o Comitê pelo fim dos manicômios judiciários é integrado por pesquisadores e por pessoas que já trabalham em iniciativas que oferecem tratamentos diferentes daqueles empregados pelos manicômios. Segundo ela, a junção das perspectivas teórica e prática é fundamental e embasou a reforma psiquiátrica iniciada nos anos 1970 na Itália.

A socióloga defendeu a necessidade de se divulgar experiências que ocorrem em âmbito local que retiram a clientela dos manicômios judiciários. “Por meio dessas experiências podemos mostrar os legisladores que vão mudar do Código Penal em que direção devem seguir”, explicou.

Atualmente, a Itália conta com residências em que as pessoas com transtornos mentais podem cumprir a medida de segurança. A implantação dessas residências se deu a partir de 2011, após senadores italianos visitarem manicômios judiciários e se espantarem com as condições em que as instituições estavam. Dessa forma, seis manicômios judiciários foram praticamente fechados e as residências para cumprimento de medida de segurança implantadas, mas a alteração se deu por meio de um decreto, não houve mudança no Código Penal italiano que é de 1932, período em que o país vivia o Fascismo. Para Maria Grazia a luta para que o Código Penal seja alterado precisa continuar.

Além das residências, Maria Grazia também ressaltou que a oferta de serviços de saúde mental no sistema carcerário é uma estratégia importante para o fim dos manicômios judiciários.

A socióloga apontou a importância de que profissionais de saúde e do sistema de justiça desempenhem bem suas funções. Ao retomar a questão apontada por Rosimeire Silva, de que há uma engrenagem social que produz pacientes a serem encaminhados aos manicômios, Maria Grazia afirmou que dois fatores contribuem para que isso aconteça: um é a desigualdade social e em relação a ela a providência a ser tomada é a luta política; o outro está relacionado aos modos de funcionar do sistema psiquiátrico, penitenciário e da justiça. Por isso, a socióloga defendeu que psicólogos e psiquiatras não devem cumprir o papel que cabe à polícia, nem o contrário deve acontecer.

Segundo Maria Grazia, ainda que haja um longo caminho até a extinção dos manicômios judiciários, a militância precisa continuar, pois o trabalho do Comitê pelo fim dos manicômios judiciários na Itália, por exemplo, lançou luz sobre a situação de instituições que funcionavam em péssimas condições, levando à adoção de outras formas de tratamento do louco infrator. “O maior perigo para essas situações onde os direitos estão em risco, é o silêncio, a sombra”, afirmou.



– CRP PELO INTERIOR –