19 maio Entrevista: a atuação da Psicologia no enfrentamento ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes durante a pandemia
Psicóloga e ex-presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Iolete Ribeiro, traça um panorama da atuação da categoria diante do desafios impostos pelo isolamento e pela limitação da participação em Conselhos
18 de maio é Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data, que foi criada para engajar a sociedade brasileira contra a violação de direitos infantojuvenis, tornou-se lei em 2000. A escolha do dia foi uma forma de homenagear Araceli Bispo, morta em 18 de maio 1973, vítima de abuso sexual. Os culpados nunca foram responsabilizados por seus atos.
Em entrevista concedida ao Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), a professora da Universidade Federal do Amazonas e ex-presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Iolete Ribeiro, reforça a importância da Psicologia no enfrentamento à exploração sexual de crianças e adolescentes e comenta o cenário estabelecido pela pandemia. A professora também enfatiza as dificuldades impostas pelo governo federal com o desmonte de conselhos, como o próprio Conanda.
Qual é a atuação da Psicologia no combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes? Ela sofreu alterações com a pandemia?
A Psicologia está presente em toda a rede de proteção – nas políticas públicas de saúde, educação, assistência social, segurança pública e justiça. Profissionais da Psicologia desenvolvem ações em todos os eixos estratégicos dos planos de enfrentamento à violência sexual desde a prevenção, atendimento, avaliação, mobilização… Estudamos os fenômenos psicológicos relacionados à violência em articulação com outros campos do conhecimento e dessa forma é possível contribuir na definição de intervenções junto a crianças e adolescentes envolvidos em situações de violência e suas famílias.
A atuação durante a pandemia sofreu alterações substanciais em razão do fechamento ou da adoção de atendimento remoto por diversos serviços, o que dificultou o acesso à/da rede de proteção. Outro fator observado foi a redução das denúncias, provavelmente ocasionado pelo fechamento das escolas, principal lugar de revelação das violências sexual e doméstica. Também passou-se a alertar para a possibilidade de violência sexual no ambiente virtual em decorrência da intensificação do uso das tecnologias de informação e comunicação durante a pandemia.
Recentemente, aconteceu uma audiência pública sobre o impacto da pandemia da Covid-19 em crianças e adolescentes, promovida pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, que contou com a sua participação. Como a pandemia alterou o cenário da violência sexual em crianças e adolescentes?
Uma maior exposição ao abuso sexual é decorrente do aumento do tempo das pessoas no ambiente doméstico que, aliado ao aumento da vulnerabilidade econômica, cria um contexto favorável às violências. De acordo com a avaliação dos indicadores socioeconômicos tem se observado o aumento da pobreza, da insegurança alimentar, do desemprego que afetam as vidas das famílias e das crianças e adolescentes. Esses fenômenos também influenciam no aumento do trabalho infantil e da violência sexual.
Os indicadores socioeconômicos vêm apresentando piora no país, com aumento crescente de famílias vivendo abaixo da linha da pobreza. É possível estabelecer uma conexão entre este cenário e a vulnerabilidade de crianças e adolescentes à exploração sexual?
Sim. A exposição ao trabalho infantil é consequência direta do aumento da pobreza. Crianças e adolescentes são empurrados para a rua para ajudarem na renda familiar. Nesse cenário, ficam expostos à exploração sexual comercial que é uma das piores formas de trabalho infantil. A ausência de políticas que garantam uma renda mínima para as famílias contribui para a violação dos direitos de crianças e adolescentes. Portanto as ações em relação a crianças e adolescentes somente serão efetivas em conjunto com o reconhecimento de que a garantia de seus direitos depende também da proteção dos direitos das suas famílias. O ambiente doméstico deve ser seguro, tanto na perspectiva da saúde física quanto emocional, para que acolha adequadamente crianças e adolescentes. É dever do Estado apoiar as famílias em situação de vulnerabilidade social com medidas de subsídio financeiro e serviços públicos.
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) é um dos principais órgãos que auxiliam no combate à violência contra crianças e adolescentes. No entanto, ele vem passando por diversos ataques, como a limitação da participação social em Conselhos e o PL 168/21 que retira a competência normativa do Conanda, tornando-o uma instância consultiva. Como esses sucessivos desmontes afetam o combate ao abuso e à exploração sexual?
Os ataques ao Conanda demonstram que o projeto do governo é a destruição da política de proteção integral. São ações deliberadas de desrespeito ao preceito constitucional da prioridade absoluta e da participação social. A ausência de debate público e das instâncias paritárias de construção das políticas para a infância trazem prejuízos aos programas de atenção à infância e à adolescência. Na prática, tem se observado a desarticulação de programas e serviços com a extinção de rubricas importantes do orçamento federal. Desde 2016 observa-se uma queda vertiginosa dos recursos destinados às políticas da infância e adolescência. Sem controle democrático da execução das políticas públicas não há contraponto, não há questionamento. É isso que o governo almeja.