Entrevista: No mês do Orgulho LGBTI+ a pauta é preconceito e saúde mental, como superar desafios e promover o bem-estar?

Em entrevista ao CRP-MG, o psicólogo Marcelo Bambirra Campos Guaraciaba fala sobre atuação do profissional psi no acolhimento da diversidade

Dia 28 de junho é celebrado o Dia Internacional do Orgulho LGBTI+. A data marca a revolta de Stonewall, ocorrida em 1969 nos Estados Unidos, quando pessoas LGBTs frequentadoras do bar Stonewall Inn se juntaram para protestar contra os abusos cometidos por policiais. É um momento de refletir sobre a diversidade de afeto, o combate ao preconceito e, principalmente, a discussão dos direitos civis da comunidade. No rol desses direitos figura o acesso à atenção psicológica livre de estigmas e práticas repressivas.

Em entrevista concedida ao Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), o psicólogo Marcelo Bambirra Campos Guaraciaba, atuante do Transformação – Centro de Atenção à Saúde LGBTQI+, em Pará de Minas, fala sobre a contribuição da Psicologia no enfrentamento aos preconceitos e melhorias necessárias para oferecer um atendimento igualitário.

Já se passaram mais de duas décadas da histórica Resolução CFP nº1/1999, que estabelece normas de atuação para psicólogas(os) em relação à questão da Orientação Sexual. Comente brevemente esse e outros avanços da atuação psi que romperam com práticas discriminatórias.

Cronologicamente falando, temos alguns eventos bem marcantes sobre a atuação de psicólogas(os) relacionados à (des)patologização da sexualidade humana: em 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou a homossexualidade da lista de doenças; em 1999, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou a Resolução no1 sobre a atuação da(o) psicóloga(o) ser pautada na promoção do bem-estar e do não favorecimento de preconceitos no âmbito da sexualidade humana; e em 2018, o CFP publicou a Resolução 01/2018, que a meu ver complementa muito bem a Resolução de 1999, expandindo estas prerrogativas à população transexual e travesti, em conjunto com a retirada destas duas formas de identidade de gênero do CID [Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde] na sua 11ª versão naquele mesmo ano.

Qual o papel da Psicologia atual para quebrar preconceitos relacionados às pessoas LGBTI+, que historicamente sofrem violências por parte da sociedade?
Entendo que cabe às(aos) psicólogas(os) trabalhar para fazer valer as duas resoluções citadas anteriormente, assim como o Código de Ética do Psicólogo, tendo uma prática pautada em teorias e técnicas a fim de promover o bem-estar, uma vez que já sabemos dos possíveis danos que podem ser causados pela repressão sexual. Além disso, creio que cabe aos cursos de Psicologia oferecer uma formação mais voltada a esta temática para que sejam formadas(os) profissionais sensíveis às demandas desta população, assim como buscar uma formação continuada para se alinharem com estes preceitos éticos da nossa área.

Quais os cuidados a(o) psicóloga(o) deve ter para não cair na armadilha de perpetuar práticas LGBTIfóbicas?
A(o) psicóloga(o) deve sempre se pautar na teoria que orienta sua prática. Não há espaço para “achismos” quando se trata de situações tão sensíveis. Para aquela(e) que utiliza ações LGBTfóbicas em sua prática, pode ser um indicativo que está lhe faltando um melhor trabalho terapêutico. Eu entendo que estar com a análise ou terapia em dia é uma ótima forma de evitar que crenças pessoais atravessem a prática profissional.

No Brasil há dados alarmantes de mortes de pessoas trans e travestis, mas ao mesmo tempo conquistas importantes como o fim da proibição da doação de sangue por homens gays. Como você enxerga o atual cenário para a diversidade? Estamos regredindo ou progredindo?
As duas coisas. Progressos vêm ocorrendo, mas como diria Lulu Santos: “com passos de formiga e sem vontade”. Temos que exaltar os avanços, mesmo lentos, mas não podemos fechar os olhos para os dados que apontam o Brasil, há mais de uma década, como o país que mais mata LGBTIs no mundo, além do atual governo federal não ter como prioridade auxiliar de forma mais incisiva esta comunidade. Então é reconhecer os avanços, buscar ainda mais, sem perder de vista os riscos de regressos.

A Comissão de Orientação em Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual do CRP-MG existe desde janeiro de 2015. Quais conquistas você enxerga nessa caminhada? E quais ainda precisam ser buscadas?
A Comissão de Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual vem fazendo um trabalho importantíssimo, como o de oferecer materiais e eventos de ótima qualidade para quem busca ampliar seus conhecimentos sobre este tema. Sugiro para quem quer entender um pouco mais sobre a diversidade da sexualidade humana, dar uma olhada nos fôlderes feitos pela Comissão e que estão disponíveis no site do CRP-MG. É um ótimo ponto de partida! Talvez uma ação que a Comissão poderia promover seria sensibilizar docentes de cursos de Psicologia para que haja maior inserção desta temática nas graduações, e com isso a formação de profissionais mais sensíveis à diversidade sexual.

Pensando no cenário de pandemia em que vivemos, isolamento, medidas de restrição e angústias pela vacinação. O que mais tem preocupado as pessoas LGBTI+?
Interessante que, entre as pessoas que venho atendendo, não tenho notado diferença nas queixas relacionadas às restrições sanitárias de clientes LGBTI ou não. Talvez caiba aqui mencionar que eu já escuto a queixa de isolamento social entre LGBTIs bem antes do início da pandemia. Algumas siglas são tão marginalizadas que já estão “isolades” há muito tempo. Os relatos mais preocupantes que venho escutando são relacionados a um aumento da vulnerabilidade social, uma vez que muitos estão desempregados ou em cargos precarizados. Infelizmente este é um ponto que acarreta uma série de outras complicações, como o retorno para a prostituição e sofrimentos psíquicos relacionados à incerteza financeira.

No relatório Perfil de pessoas LGBTQIA+ no município de Pará de Minas-MG, publicado no ano de 2020, do qual você participou, foi revelado que 50% das pessoas LGBTI+ entrevistadas já sofreram algum tipo de descriminação nos serviços de saúde. O que precisa ser mudado para vencer essa realidade?
Este levantamento foi importante para embasar a necessidade da implementação do Centro de Atenção à Saúde LGBTQI+, no município. Os relatos de violência por preconceito são diversos e apontam para vários serviços da rede, e justamente por isso, estamos oferecendo capacitação, pois entendemos que a resolução desta situação se dá pela informação. Assim, a mudança passaria por gestores municipais oferecendo preparo para que os profissionais da saúde estejam devidamente instrumentalizados, além dos cursos de graduação oferecerem disciplinas voltadas para as especificidades da Saúde LGBTI, visando a formação de profissionais da área da saúde mais sensíveis a este tema. É importante salientar que isso é uma questão de saúde pública e que a Política Nacional de Saúde Integral de LGBTs, de 2013, seja colocada em prática, assim como a Política Estadual de Saúde Integral de LGBTs, de 2020. Muitos LGBTI+ não estão tendo acesso à Atenção Primária. Com profissionais mais preparados, essa população poderá, finalmente, ter acesso ao seu direito à saúde.



– CRP PELO INTERIOR –