Entrevista: “No momento de grandes perdas materiais e humanas, a Psicologia pode exercer a escuta atenta e acolhedora, visando minimizar o potencial traumático”

Para apresentar a importância do papel das(os) psicólogas(os) nas calamidades,  a conselheira coordenadora da Comissão de Psicologia de Emergências e Desastres, Renata Ferreira Jardim de Miranda, concedeu entrevista e convocou a categoria para participar das ações do Conselho.

CRP-MG Qual é a abrangência de atuação da Psicologia das emergências e desastres?

Renata Miranda – A Psicologia das emergências e desastres pode ser considerada um campo novo para a prática profissional. Apesar das duas grandes guerras trazerem os primeiros registros de estresse pós traumático – também conhecido como fadiga de batalha, neurose de guerra ou flashbacks -, o marco teórico de um começo de organização da pesquisa e intervenção do campo foi em 1944, por meio das pesquisas realizadas por Lindermann. Ele foi pioneiro no estudo mais sistematizado relacionado à área de intervenção pós-desastre, que se constituiu na realização de um levantamento das reações psicológicas e avaliação das respostas dos sobreviventes a um incêndio em uma boate, em Boston (EUA), no qual morreram mais de 400 pessoas.

Até a década de 1970 as pesquisas se davam na perspectiva das reações individuais, observação de reações extremas e discussões acerca do estresse pós-traumático, com poucos trabalhos e majoritariamente influenciados pela Psiquiatria. O estresse pós-traumático, apesar de existir na literatura desde a 1ª Grande Guerra, só foi incluído no DSM IV em 1994.

A Psicologia das emergências e desastres estuda o comportamento humano dentro de contextos como catástrofes, desastres ou situações limites vividas no cotidiano dos indivíduos, comunidades e cidades. Preocupa-se também com os danos causados ao meio ambiente. Desenvolve-se desde a ação preventiva até o pós-trauma, subsidiando ações de intervenções de compreensão de escuta, apoio e superação do trauma aos atingidos e profissionais envolvidos, tendo sempre em vista a perspectiva de construção de comunidades mais saudáveis e seguras, desenvolvendo trabalhos de forma multidisciplinar, e por meio do atendimento psicossocial. Há, inclusive, possibilidade de trabalhos de intervenção comunitária, em contexto nacional e internacional, mediante a inserção em uma organização humanitária. A intervenção pode também ocorrer de modo indireto na preparação ou formação dos agentes que atuam nessas ocorrências, incluindo voluntários e profissionais de outras áreas. Essa modalidade de trabalho geralmente é viabilizada pelo Governo, Sistema Nacional de Defesa Civil, ONG’s ou, em casos específicos, por empresas envolvidas diretamente nas tragédias.

De forma mais direta, o trabalho da(o) psicóloga(o) pode se caracterizar pelo atendimento às vítimas no momento seguinte ao desastre, por meio do primeiro auxilio psicológico. Trata-se de uma abordagem focal com vistas a minimizar o potencial traumático causado pelo evento. Tal abordagem tem por objetivo a redução de sintomas e do adoecimento psicológico futuro.

 

CRP-MG Em contextos de calamidades, como o que Minas Gerais atravessa atualmente, qual a importância da atuação das psicólogas(os) de emergências e desastres?

Renata Miranda – A atuação da(o) psicóloga(o) pode ser observada na prevenção, preparação resposta e reconstrução do cenário após a ocorrência do evento. Neste momento de grandes perdas materiais e humanas, a Psicologia pode exercer a escuta atenta e acolhedora, visando minimizar o potencial traumático causado pelo evento; criar oficinas e treinamentos para agentes e voluntários; trabalhar com capacitação comunitária relacionadas à percepção de riscos e orientações sobre riscos de impactos ambientais diversos; garantir esclarecer aos afetados seus direitos e como ter acesso a eles; facilitar o desenvolvimento de solidariedade comunitária, capacitar a comunidade na estimativa de custos de proteção e alteração de comportamento de risco tanto individual quanto social.

Importante: Todas as ações devem ser alinhadas com a rede municipal e, caso haja a atuação de outras esferas, com as redes municipais, estaduais e federal. As(os) psicólogas(os) voluntárias(os) devem procurar capacitação e alinhamento com as redes municipais. Estar alinhada(o) com as ações desenvolvidas pelas redes municipais significa trabalhar realmente na minimização do dano e não criar um problema a mais para a rede local.

 

CRP-MG Essa situação se esgota no momento das ocorrências de calamidades?

Renata Miranda – Como já dissemos, após o desastre, há muito o que fazer. Contribuir para a construção de uma comunidade mais saudável e segura é uma tarefa extremamente necessária no contexto de emergências e desastres. Assim se faz necessária a continuidade dos trabalhos individuais e comunitários, relacionados ao processo de luto e contribuir no fortalecimento dos vínculos solidários e com expectativas de possibilidades reais de recomeço, com estruturas e comportamentos mais seguros, solidários e saudáveis.

 

CRP-MG Para encerrar, quais ações o CRP-MG está colocando em prática, por meio da Comissão?

Renata Miranda – O CRP-MG, como autarquia orientadora e fiscalizadora da categoria, além das reuniões mensais da Comissão de Psicologia das Emergências e Desastres, está disponibilizando material de consulta sobre o tema, promovendo uma roda de conversa no dia 6 de fevereiro próximo, às 19h, no próprio Conselho, e uma oficina orientativa, dia 13 de fevereiro, às 14h, na autarquia, quando também haverá reunião da Comissão, às 19h. A Comissão vem abrindo diálogo com a categoria, sempre que procurada, para possibilitar alinhamento de ações, tais como com profissionais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), do município de Santa Luzia, da Regional Oeste da Prefeitura de Belo Horizonte e da Cruz Vermelha, onde pretendemos iniciar parceria de cooperação técnica. Estamos planejando mais cinco oficinas, uma por subsede do CRP-MG. As datas e locais serão anunciados nos veículos do Conselho.



– CRP PELO INTERIOR –