Entrevista: os desafios enfrentados pelo SUAS e a implicação da Psicologia na manutenção do Sistema

Psicóloga e especialista em Políticas Públicas, a conselheira do CRP-MG, Jéssica Isabel, traça um panorama da situação de desmonte do SUAS e convoca a categoria de psicólogas(os) a se implicar na defesa dos direitos

 

Jéssica Isabel conselheira do CRP-MGO ano de 2021 iniciou com um baque no Sistema Único de Assistência Social, o SUAS: o governo federal anunciou que pretende esvaziar o papel dos municípios no cadastro de diversos programas sociais e fazê-lo por meio de um aplicativo dificultando, na visão das(os) trabalhadoras(os) desta política, o acesso dos usuários que vivem em grande situação de vulnerabilidade social.

Nesta entrevista, a conselheira do CRP-MG, membro da coordenação colegiada da Comissão de Orientação de Psicologia e Política de Assistência Social na sede, Jéssica Isabel, aponta os problemas e as consequências da mudança proposta pelo governo e relata como tem sido a atuação da Frente Mineira em Defesa do SUAS e da Seguridade Social. Jéssica Isabel também é psicóloga negra, especialista em Políticas Públicas, Gestão e Serviços Sociais.

Nesse contexto de pandemia da Covid-19, qual a importância e como tem sido a atuação do SUAS na garantia de direitos, auxílios e proteção social?

Pensar a importância do SUAS é pensar que a gente está efetivando o objetivo da política, que é de garantir proteção social, ou seja, prestar apoio aos indivíduos, famílias e comunidades, por meio de serviço, benefício, programa ou projetos. Durante a pandemia, o SUAS se fez extremamente importante e, por esse motivo, ele foi ratificado como serviço essencial pelo decreto do governo federal, principalmente, porque houve aumento das vulnerabilidades, como aumento da violência doméstica, desproteção de renda, desemprego, isolamento, dificuldade de acesso a serviços. Então, pensar a importância do SUAS é exatamente que o objetivo dessa política é de garantia de acesso a esses direitos que, durante a pandemia, foi, de certa forma, sendo cerceado às famílias. O processo de pensar a importância passa por aí, por essa política apoiar e auxiliar essas famílias na garantia da sua proteção social.

Recentemente, foi veiculada notícia que o governo federal pretende esvaziar o papel dos municípios no cadastro de diversos programas sociais e fazê-lo por meio de um aplicativo. Pode explicar para que servem esses cadastros e quais seriam as consequências dessa medida para o SUAS?

Nós temos, na verdade, a tecnologia social que é o Cadastro Único, que é a porta de entrada para os benefícios. Ele tem o objetivo de incluir as pessoas nos programas, nos serviços, nos benefícios, mas, também, de ter um banco de dados sobre a realidade social dos territórios e dos municípios. Tornar esse processo virtual, como deseja o governo, será uma perda significativa da criação do vínculo do beneficiário com o serviço, com os programas.O Cadastro Único é uma ferramenta muito potente, pois possibilita um entendimento do técnico no diálogo com a família. Permite conhecer e efetivar esse contato com as famílias, com os indivíduos, com a comunidade de forma geral, que se inicia a partir do preenchimento do formulário. Além disso, a medida inviabiliza o acesso das pessoas, pois nem todas têm smartphone e internet, deixando muitas desprotegidas. Ou seja, não se efetivará o objetivo da política. Esses pontos devem ser bem destacados quando vemos o processo do auxílio emergencial: é todo virtual, inviabilizando o acesso de muitas famílias.

Esta é a pauta prioritária da Frente Mineira em Defesa do SUAS e da Seguridade Social agora? Quais são as ações e discussões que estão em curso a partir desse anúncio do governo?

A Frente Mineira é uma articulação de diversas entidades, de gestores comprometidos, representação de conselhos profissionais, usuários e trabalhadores. É uma articulação ampla, de diversos atores. Seu objetivo maior é a defesa da política pública da assistência social e na luta pela sua qualidade e para sua efetivação, de fato. Atualmente, com o processo do governo de esvaziar, de desconstruir, de desmontá-la, a luta da Frente Mineira tem sido contra a precarização do SUAS, por meio do baixo recurso, da falta de diálogo com a própria política na construção de medidas emergenciais, no processo de construção dos planos. E temos algumas urgências. Uma delas é a garantia de segurança de renda. Nós discutimos a renda mínima, como um processo que precisa ser efetivado, que precisa ser assegurado às famílias vulnerabilizadas. Nesse momento, discutimos a necessidade de um plano nacional de vacinação que garanta a vacinação para todos, que garanta a vacinação para as(os) trabalhadoras(es) do SUAS que estão na linha de frente; a continuidade do recurso do BPC, alinhado ao valor da aposentadoria. Essa luta por garantir esse processo dos benefícios, são pautas urgentes que surgem nesse momento e que acabam se entrelaçando, de certa forma, dentro da precarização, dentro das lutas.

Como o CRP-MG, enquanto integrante da Frente, tem se posicionado e atuado? Na sua opinião, qual o papel da Psicologia diante deste cenário?

O CRP-MG, enquanto integrante da Frente, tem se posicionado e atuado contra a precarização do Sistema Único de Assistência Social; indo a favor da garantia da renda mínima para as pessoas vulnerabilizadas, da garantia de um apoio à profissionais psicólogas(os) e demais profissionais e usuários, na luta da vacinação para todos e na luta de um plano nacional de vacinação que inclua trabalhadoras(es) da política de assistência social no grupo prioritário, que estão na linha de frente. Nos posicionamos e atuamos na busca de efetivar o lugar dos usuários nesse espaço. Entendemos como fundamental, como contribuição e papel da Psicologia diante desse cenário, garantir com que os usuários tenham espaços nesses lugares, para dizer como tem sido o serviço, a vivência deles para construirmos políticas com e não políticas para. Esse é um compromisso e um posicionamento que temos atuado e que acredito que seja um papel da Psicologia diante desse cenário, de garantir o apoio aos usuários e na luta de uma política de garantia de direitos. Acho importante, também, colocar que nós unimos a Frente, enquanto psicólogas(os). É fundamental que nos impliquemos nesse processo de discutir essa barreira da Emenda Constitucional 95, que é um ponto de debate que vai perpassar, não só a política de assistência social, mas outras políticas. Só que é uma pauta que precisa da implicação da(o) psicóloga(o). É responsabilidade nossa garantir a redução das vulnerabilidades, ficar atentas(os) às questões hierárquicas, às relações de poder no nosso processo de atuação. Sempre ancoradas(os) no nosso Código de Ética Profissional, que é inteiramente baseado nos direitos humanos. É fazer jus, também, ao principal da nossa profissão, que é o compromisso ético político. É fundamental o papel da Psicologia nesse cenário e com essas implicações.

O que sugere para esse envolvimento da categoria?

Acho importante deixar o convite às(aos) profissionais psicólogas(os) para participarem das comissões do Conselho, das Comissões de Orientação Psicologia no Sistema Único de Assistência Social, da Frente Mineira de defesa do SUAS – que é um grupo amplo de disseminação de informação e discussão. É fundamental que nossa categoria se implique nesses espaços de discussão. Outro ponto é a importância de montar grupos de discussão nos territórios, entender como têm sido as desconstruções desse momento da política e pensar formas de construções e de defesa nos territórios. Importante pensar, também, a implicação das(os) profissionais com o lugar dos usuários da política: qual é o lugar que nós temos proporcionado para que essas pessoas digam o que ocorre no território, de como tem sido a vivência frente à Covid-19. E que fique um convite, também, para essa luta, para ampliá-la, de dizer desse lugar, desse processo, desse trabalho. Nós entendemos que a política de assistência social teve um crescimento muito grande. Mas tem ocorrido uma desconstrução. Para garantirmos o que temos e conquistarmos novos processos, novos trabalhos, entendermos como que está o percurso da política, o que nós podemos contribuir no nosso território. É um convite mesmo que eu deixo para a categoria, para as(os) profissionais.



– CRP PELO INTERIOR –