Entrevista: reflexões sobre os caminhos a serem adotados a partir da abertura do uso dos testes psicológicos

Conselheira do CRP-MG, Elza Lobosque, explica a cronologia dos fatos e o que já está sendo feito pelo Sistema Conselhos de Psicologia frente à decisão do STF

No último dia 5, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3481 e declarou inconstitucionais dispositivos da Resolução n 2/2003 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que restringem a comercialização e o uso de manuais de testes psicológicos a profissionais inscritas(os) no Conselho e obrigam as editoras a registrar os dados das(os) psicólogas(os) que os comprarem. Alguns dias depois, no dia 11, o Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais(CRP-MG) produziu nota de posicionamento sobre o assunto e na sequência, o CFP ingressou com pedido de cautelar incidental junto ao STF, buscando a modulação dos efeitos da decisão.

Nesta entrevista, a conselheira do CRP-MG, coordenadora da Comissão de Orientação em Avaliação Psicológica, Elza Lobosque, faz uma reflexão sobre os acontecimentos e caminhos a serem adotados, baseada nas perguntas e respostas publicadas pelo CFP.

A decisão do STF significa que as técnicas de avaliação psicológica deixam de ser algo privativo da atuação da(o) psicóloga(o)?
Não. Aquilo que a Lei nº 4.119/62 nos assegura não foi revogado por tal decisão de inconstitucionalidade. A aplicação de técnicas e instrumentos de avaliação psicológica para os fins estabelecidos na referida lei continua sendo função privativa da Psicologia, conforme: “Art. 13. – Ao portador do diploma de Psicólogo é conferido o direito de ensinar Psicologia nos vários cursos de que trata esta lei, observadas as exigências legais específicas, e a exercer a profissão de Psicólogo.”

Outras disposições da Resolução foram modificadas?
Não. A ação do STF incide apenas sobre a comercialização dos testes (Inciso III, caput, e §§1º e 2º do art. 18. da Resolução CFP nº 02/2003). Uma vez que a Resolução em tela foi revogada pela Resolução 09/2018, o Artigo equivalente também perdeu seus efeitos: “Art. 16 – Todos os testes psicológicos estão sujeitos ao disposto nesta Resolução, considerando que:1º – Os manuais de testes psicológicos devem informar que sua comercialização e seu uso é restrito a psicólogas e psicólogos, regularmente inscritos no CRP. 2º – Na comercialização de testes psicológicos, as editoras manterão procedimento de controle, no qual conste o nome da psicóloga e do psicólogo que os adquiriu, o seu número de inscrição no CRP e o(s) número(s) de série dos testes adquiridos”. Todo o restante das disposições da Resolução CFP nº 09/2018 se mantém.


Mas, faltou a compreensão, por parte do STF da gravidade dessa abertura do uso dos testes e da insegurança que isso pode gerar para a sociedade?
Certamente. A(o) profissional de Psicologia possui deveres e direitos, como em todas as profissões regulamentadas, e os conselhos seguem na direção de respaldar e de cobra-las(os) para que persigam uma Psicologia qualificada e ética. E é nessa mesma direção que essas autarquias trabalham, sustentando um lugar digno para a profissão, mas também buscando compreender os processos de forma ampla, global e sobretudo, plural.

A presença da Psicologia nos meios de comunicação, nas redes e outros meios remotos, sobretudo agora nos tempos da pandemia de COVID-19, denota o avanço, o crescimento e a importância ainda maiores do nosso trabalho para a sociedade nesses tempos críticos. Isso também faz com que as exigências e atribuições dadas aos Conselhos Regionais e ao Federal aumentem, e temos estado atentas(os), mobilizadas(os) e dispostas(os) a responder e nos posicionar sempre que a categoria e a sociedade assim nos demandar.

Como foi e como tem sido até hoje a recepção da notícia da decisão do STF?
A partir do momento que tomamos ciência dessa decisão iniciaram dias angustiantes, confusos e difíceis para muitas(os) de nós, psicóloga(os). As redes ficaram abarrotadas de notícias, opiniões e muita indignação. A procura crescente por informações e os comentários demonstraram a preocupação, totalmente justificada, no que diz respeito à nossa prática com o uso de testes psicológicos.

Logo no dia 10 de março, a presidenta do CFP, Ana Sandra Fernandes, juntamente com outras entidades da Psicologia, vieram a público, numa live (https://www.youtube.com/watch?v=xDQs6DJ9gmY), abordar o assunto, com a preocupação de elucidar e respaldar a categoria.

Nosso entendimento, versado na natureza da nossa profissão, é que ao enfrentarmos uma dificuldade dessa relevância, devemos agir de forma conjunta e razoável, a fim de caminharmos em prol de uma Psicologia responsável, ética e científica. Desse modo, ressaltamos ainda que tal ação não foi realizada apenas pelo CFP, mas sim, por todos os Conselhos Regionais, além das entidades parceiras e editoras, que assinam todos os pronunciamentos, documentos e notas para a categoria

Pode nos relatar o que antecedeu essa decisão do STF?
Bom, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3481 surge de um Procedimento Administrativo Cível aberto pelo Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria da República do Município de Uberaba, em 2004. O CFP argumentou, à época (2005), que editou a Resolução nº 02/2003 no exercício do seu poder normativo e de polícia, vinculado à sua condição de autarquia federal. Além disso, defendeu que, nos termos da Lei nº 4.119/62, a aplicação de testes psicológicos constitui função privativa da profissão e, portanto, agiu no exato limite de suas atribuições legais, regulamentando matéria do interesse das(os) psicólogas(os) e da sociedade. Demonstrou também a aceitação das editoras aos ditames da Resolução CFP nº 002/2003, de modo a permitir o controle adequado dos testes psicológicos, ressaltando que foi a partir da publicação da referida Resolução que começou a haver uma completa adequação dos testes psicológicos pelas editoras, juntando farta documentação, como o “Relatório de Avaliação dos Testes Psicológicos”, edição especial, de novembro de 2004.  De modo geral, o CFP demonstrou que os testes constituem material técnico e que a restrição na comercialização não constitui violação aos princípios constitucionais. De 2005 até setembro de 2017 a ADIN ficou paralisada –  período no qual passou por três Ministros relatores diferentes. Ao final deste período, já o Ministro Alexandre de Moraes liberou para votação. Importante destacar que a paralisação da Ação teve como efeito manter a Resolução CFP nº 002/2003, dado que havia um pedido liminar para suspendê-la desde 2005.

De 2018 a 2021, o CFP empreendeu  um conjunto de ações com objetivo de defender o acesso privativo aos testes pelos profissionais da Psicologia, dada a centralidade da prática da avaliação psicológica para o exercício profissional. Seu setor jurídico elaborou Memoriais – que consistem em uma espécie de parecer sucinto -, entregues em todos os gabinetes e que subsidiaram diferentes e reiteradas reuniões com Ministras(os) do STF, chefes de gabinete e assessoras(es). Por meio destes documentos buscava-se fortalecer os argumentos fundamentais para a área, informando ainda que restrições como estas são também praticadas em diferentes países. Além disso, procurava explicitar que a implementação da política de avaliação psicológica junto ao CFP fora responsável pela intensificação do debate científico sobre o tema no país.

Para concluir, o que efetivamente está sendo feito contrário a essa decisão?
O CFP já está trabalhando com os materiais para ingressar com recurso denominado embargos de declaração, a fim elucidar elementos que restaram inconclusos na decisão. Porém, isso só pode ser feito após a publicação da versão final do Acórdão, que estabiliza a decisão. Adicionalmente, foi aprovada em Plenária Ordinária do CFP a criação de um Grupo de Trabalho que deverá ser constituído por representantes da Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica do CFP (CCAP) e entidades da Psicologia e da avaliação psicológica, para propor ações que assegurem a integralidade técnica e ética do uso dos testes.  Para tanto, serão necessárias ações institucionais e normativas de todo o Sistema Conselhos que garantam a segurança nos processos avaliativos, ações de orientação e fiscalização e valorização do SATEPSI, de modo a reforçar o caráter processual e complexo da avaliação psicológica. Por fim, vale destacar que a inclusão da restrição à comercialização dos testes na Resolução 02/2003 foi uma iniciativa do CFP, à época, realizada exatamente para dar maior garantia e proteção à prática da avaliação psicológica. Com a decisão do STF, o Sistema Conselhos estuda as implicações, possibilidades e riscos para a área na proposição de ações legislativas, como Projeto de Lei, para regulamentar o controle de acesso aos testes psicológicos. O Sistema Conselhos reafirma o seu compromisso com a defesa da profissão e continuará a envidar todos os seus esforços para a construção de propostas na superação dos efeitos da decisão.

Aproveito aqui para convidar a todas(os) a refletir: o processo iniciou em 2004 e desde então o CFP vem atuando com muitos esforços para defesa da Psicologia e preocupada com os efeitos para categoria e toda a sociedade, valendo ressaltar que foram de lá para cá mais ou menos sete Plenários lutando pela categoria; todos os representantes do CFP e dos CRP’s estão na luta juntos e várias entidades e editoras, será que todas estas representações nestes 16 anos não merecem nossa confiança e apoio pela categoria? Além disso, neste momento precisamos de toda categoria, independente da linha teórica, das orientações diversas e políticas. Estamos lutando pela avaliação psicológica no trânsito e no porte de armas, e já conseguimos uma vitória no primeiro citado.

Agradeço sinceramente pela leitura, e como atual coordenadora da Comissão de Avaliação Psicológica, junto com todas(os) as(os) conselheiras(os) do XVI Plenário do CRP-MG, nos colocamos à disposição para o diálogo. Neste sentido deixo o convite para enviarem suas questões sobre o assunto pelo e-mail faleconosco@crp04.org.br .


Documentos complementares sugeridos nesta entrevista:

Sobre a decisão do STF de invalidar restrições na comercialização de testes psicológicos – 09/03/2021

Perguntas e Respostas: Decisão do STF sobre testes psicológicos – 12/03/2021

Nota de posicionamento: referente à decisão do julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo STF, em relação a comercialização e acesso aos testes psicológicos – 11/03/2021

Testes Psicológicos: STF publica decisão – 15/03/2021

Posicionamento do CRP-03 frente a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que invalida a comercialização restrita de testes psicológicos- 10/3/2021

Testes Psicológicos: Decisão do STF ainda não foi publicada –  15/3/2021

Entidades da Psicologia discutem efeitos da decisão do STF sobre comercialização de testes psicológicos – 17/3/2021



– CRP PELO INTERIOR –