Especialistas debatem a forma como a Psicologia e o Direito lidam com o sexual e a verdade

As concepções que o Direito e a Psicologia possuem sobre a verdade e o sexual e a delicada relação entre esses saberes nortearam a mesa “Quando o sexo faz falar a verdade”, realizada na sexta-feira (20/11), durante o Seminário Psicologia Jurídica e Direitos Humanos.

O psicólogo, psicanalista e pós-doutor por Paris 7, Paulo Cecarelli, tratou do tema “o sexual e a verdade do sujeito” a partir dos estudos desenvolvidos por Freud. Como ponto de partida, Paulo Cecarelli realçou que na cultura de base judaico-cristã a sexualidade ocupa um lugar de grande relevância e vários discursos procuram normatizá-la. Assim, ao longo da história, o campo da sexualidade já foi normatizado pelo Estado, pela Religião, pela Medicina, pelo Direito e, na visão de Paulo Cecarelli, na atualidade, tem sido controlado pelo politicamente correto.

De acordo com o psicanalista, a normatização da sexualidade é um empreendimento dos grupos dominantes e resulta na definição do que deve ser considerado normal e do que deve ser entendido como desvio, levando à patologização de algumas condutas. No entanto, com a passagem do tempo, esses discursos mudam e o próprio fato de mudarem já revela que o sexual não possui uma forma certa de ser.  Além disso, Cecarelli destacou: “tais discursos sempre falham, pois o sexual resiste a qualquer forma de normatização ou controle”.

Em sua atuação profissional, o psicólogo não pode perder de vista que todas as pessoas, independentemente de sua área de atuação, são interpeladas quando ouvem o outro. “O psicólogo se acha exposto aos seus conteúdos inconscientes tanto no momento da escuta, quanto na hora de escrever o laudo. Conteúdos esses que são repletos de desejos, fantasias e defesas. Quando não levamos em conta a possibilidade de retorno do recalcado na compreensão do que ouvimos, corremos o risco de repetirmos posições reacionárias e moralistas na tentativa de afastar a nossa própria sexualidade perversa, polimorfa que está sempre prestes a se manifestar, lá onde menos se espera”, alertou Paulo Cecarelli.

O que o Poder Judiciário espera do psicólogo? – Na sequência do debate, o psicólogo, professor e conselheiro do CRP-MG, Túlio Picinini, tratou da forma como o Poder Judiciário lida com a verdade e a expectativa desse Poder em relação ao trabalho que será desempenhado pelo psicólogo. Túlio já atuou na Comissão de Ética do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais e atualmente preside a Comissão de Orientação e Fiscalização do mesmo Conselho. A partir do trabalho realizado nas duas comissões, Túlio destacou que cerca de 60% das denúncias contra psicólogos envolvem avaliações psicológicas que foram solicitadas por motivos diversos e acabaram chegando ao Poder Judiciário. Nesse cenário, preocupa o fato de que em muitas dessas situações o profissional atendeu a demanda pela produção da avaliação psicológica sem saber para qual finalidade ela seria utilizada.

Enquanto para Psicologia importa o sujeito e sua subjetividade, no campo do Direito a proposta é buscar pela verdade dos fatos. Como conciliar áreas que partem adotam perspectivas tão distintas? Para deixar essa situação ainda mais complicada, Túlio Picinini aponta que o Direito no Brasil ainda é muito marcado pelo Positivismo, ou seja, valoriza métodos científicos e acredita na correspondência exata entre a coisa em si e a verdade sobre ela.

É na interseção dessas compreensões sobre a verdade que se encontra o psicólogo que atua junto ao Sistema de Justiça. Túlio lembrou que todo processo judicial começa na controvérsia sobre os fatos e ao juiz cabe decidir qual é a parte que está com a verdade. Ao elaborar laudos e avaliações durante um processo, o profissional da Psicologia também está produzindo verdade no processo. Essa é uma questão muito delicada, especialmente quando se tratam de casos envolvendo supostas violências sexuais. Esse tipo de caso vai para a esfera penal e, segundo Túlio Picinini, o que o juiz espera do psicólogo é uma resposta definitiva se houve ou não a violência sexual, o que é praticamente impossível de se fazer.

Sobre a produção de laudos nesse tipo de processo, Túlio advertiu os profissionais a se conterem e não decidirem sobre qual deve ser o resultado do julgamento, pois esse é o papel do juiz. “A minha aposta é que o documento deve falar mais de quem veio falar com você [psicólogo], do que dizer aquilo que as partes processuais querem escutar de um profissional da Psicologia”, defendeu.



– CRP PELO INTERIOR –