Jornada discutiu destituição da maternidade de mulheres que usam drogas

Instituições públicas, conselhos de classe, universidades e diversos setores se reuniram na II Jornada do Ateliê Intervalo de Redução de Danos, que trouxe como tema “Mães órfãs: destituição de maternidades e legitimação da biopolítica”. Realizada nos dias 1 e 2/12, o evento discutiu a separação de mães e filhos em decorrência do uso de drogas – separação que têm acontecido em Belo Horizonte em função da Portaria nº 3, de 25 de março de 2016, da Vara Cível da Infância e Juventude da capital. O Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG) apoiou a realização do encontro e participou do evento no dia 2/12, na mesa em que houve posicionamento público de várias instituições.

Márcia Mansur, conselheira vice-presidenta do CRP-MG, se posicionou em nome da autarquia diante da Portaria que dispõe sobre o procedimento de encaminhamento de crianças recém-nascidas e dos genitores ao juízo da infância e da juventude. De acordo com Márcia, a Portaria se soma a uma série de ações e atitudes retrógadas que o Brasil tem vivido no último ano. “Os golpes que a gente tem sofrido – na Câmara, no Senado, no Judiciário – afetam os direitos humanos, e essa Portaria vem em um bojo de ações conservadoras”, declarou.

“A Psicologia não compactua com ações totalitárias que acreditamos estar expostas nesta Portaria”, afirmou Márcia. Segundo ela, o CRP-MG caminha por duas vias de enfrentamento e de resistência à Portaria. A primeira, por via institucional, quando o Conselho se posiciona frente à sociedade, ao Estado, integrando redes de discussão.

O segundo meio seria a partir das ações voltadas para as(os) psicólogas(os) e profissionais que estão diretamente nos atendimentos e nos acolhimentos. “Sendo apoio, referência, sustentação à essas(es) profissionais que estão na ponta. Construindo orientações para o trabalho, seguindo orientações do Estado e referências para a categoria”, explicou a conselheira.

POSICIONAMENTO DAS INSTITUIÇÕES – Júnia Roman, representante da Defensoria Pública de Minas Gerais, advertiu que Belo Horizonte é uma das capitais que mais abriga crianças por habitante. “A adoção é um instituto muito bonito, mas não dessa forma de violência contra os bebês e as mães que são destituídas daquilo que elas mais têm. Essa mulher recebe uma espécie de sentença e sente-se incapaz como um todo”, disse Júnia.

Segundo a defensora pública, em meados de 2015 foi realizada uma recomendação das Defensorias Públicas – de Direitos Humanos, Infância e União na área dos Direitos Humanos e Cidadania. “Recomendação é uma espécie de ameaça e sabemos que o Ministério Público coloca mais medo do que a Defensoria, por isso, não sei dizer se houve alguma eficácia”, declarou. “Precisamos do resgate da humanidade no mundo jurídico”.

A assistente social Denise Cunha falou em nome do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS-MG). A representante disse que a autarquia participou de reuniões de contestação, em 2014, quando foram surpreendidos pelas recomendações. “Os momentos que a gente participou foram duros, de ameaça clara aos profissionais, aos conselheiros tutelares, aos órgãos de defesa das categorias”, lembrou.

Denise Cunha destacou que o posicionamento do CRESS-MG é válido e está no código de ética profissional do(a) assistente social. “É dever ético do assistente social denunciar, no serviço da profissão, casos de violação dos Direitos Humanos quanto à corrupção, maus tratos, torturas, ausência de condições mínimas de sobrevivência e discriminação”.

Leonardo Torres, representante da Secretaria de Estado de Saúde (SES), parabenizou o evento pela representatividade nas discussões e falou sobre a revitalização e solidificação dos direitos assegurados nos últimos anos. “Por mais que seja um momento ruim, precisamos trazer essa garra de novo para nossas vidas”, propôs o representante, afirmando que é um momento de luta para a consolidação dos direitos humanos.

Márcia Parizzi representou a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte e afirmou que a pasta sempre se posicionou contrariamente às recomendações. De acordo com ela, existe uma preocupação muito grande por parte da Secretaria de passar para a rede os princípios éticos das categorias e promover o cuidado com o usuário.

Ela relatou que antes das recomendações, a secretaria havia começado a realizar um diagnóstico dessas mulheres que se queixavam do cuidado que não estava sendo feito adequadamente. “Recorremos aos serviços de saúde, maternidades. Fizemos reuniões com gerentes de Cersam’s  e de distritos sanitários para identificar quais eram os principais impasses”, disse. De acordo com Parizzi, os cursos de saúde deveriam se posicionar também diante dessas recomendações. “A linha que separa a proteção da violação é muito tênue. Todo cuidado ainda é pouco”, afirmou.

A representante Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), Daniela Dinardi, lembrou que a nossa sociedade trata a droga, e não a pessoa com sofrimento. “Se constroem políticas, diretrizes, portarias que violam os direitos e não cuidam para o tratamento do sofrimento de cada um”, disse. “A posição da FHEMIG é muito parceira do ponto de vista tanto do cuidado clínico, como na construção da política.”

De acordo com a representante da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Cristiane Cunha, o Ateliê Intervalo teve início no mestrado profissional de promoção à saúde e ilustra o papel da universidade na articulação de políticas públicas com a cidade e com o território, a partir dos impasses vividos no cotidiano. “É uma alegria tão grande um projeto como esse, gerado no interior da universidade, estar nessa interlocução tão viva com vocês”, destacou.



– CRP PELO INTERIOR –