Mesa refletiu sobre interfaces do SUS com políticas de educação e assistência social

No dia 29/9, o II Seminário Mineiro de Psicologia na Saúde sediou a mesa “Saúde – o SUS e interfaces da saúde com as políticas públicas da educação e do SUAS”.

A professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Medicina da UFMG, Alzira Jorge, apresentou dados que já revelam impactos da Emenda Constitucional 95/16 sobre as políticas de saúde. A Emenda congela o orçamento da Saúde pelo período de 20 anos.

Os reflexos do congelamento se manifestam na precarização dos serviços, com interrupção ou redução de programas estratégicos e não abertura de novos equipamentos, como Centros da Atenção Psicossocial e Unidades Básicas de Saúde.

“A cobertura vacinal já está mais baixa, pois deixamos de fazer busca ativa. A mortalidade infantil, que estava em queda nos últimos 25 anos, voltou a crescer no componente pós-neonatal, o que tem a ver com piora das condições de vida, são crianças que estão morrendo de diarreia. Também registramos aumento da mortalidade materna”, alertou.

Segundo a professora, desde 2016 a saúde pública tem sido pautada por gestores em nível federal que defendem a flexibilização de regras para planos de saúde e implementam mudanças em políticas públicas sem realizar o debate no âmbito do Conselho Nacional de Saúde. Alzira citou as mudanças na política nacional de atenção básica, que apontam para a redução da composição das equipes de Saúde da Família e atendimento obrigatório apenas para população vulnerável.

Precarização da saúde mental – A psicóloga e professora da Faculdade de Medicina da UNIFESP, Lumena Furtado, explicou que no atual momento existem visões antagônicas em disputa no Brasil. “O SUS que a Rede Globo apresenta não é o mesmo SUS que eu defendo. Não podemos achar que todo mundo fala a mesma coisa quando escreve a palavra SUS. O que é terapêutico é a possibilidade da pessoa refazer seu projeto de vida”, afirmou.

A professora relatou a experiência de uma mulher que após 26 anos de vida no manicômio foi transferida para uma residência terapêutica e surtou ao ver a própria imagem refletida no espelho, pois durante todo o tempo em que esteve enclausurada não pôde ser ver no espelho. “Liberdade não é um princípio qualquer. E precisamos construir vínculos, não é possível cuidar de ninguém sem que haja envolvimento”, reforçou.

“O manicômio não existe só dentro do hospital manicômio. Se você tratar uma pessoa sem respeito, sem autonomia, estará reproduzindo o manicômio onde você estiver, mesmo que seja um CAPS”, alertou.

Lumena Furtado também apontou como desmonte das políticas de saúde mental a opção do atual governo de investir a maior parte dos recursos em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas e a mudança na política nacional de drogas, que colocou a abstinência como objetivo central das ações. “Cuidei de pessoas que optaram pela abstinência e isso foi importante, mas para outras pessoas abster-se nunca será o objetivo”, explicou.

Assistência Social – A conselheira e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do CRP-MG, Márcia Mansur, discutiu impactos do atual contexto político e econômico brasileiro na Assistência Social.

Segundo a conselheira, a atual gestão federal não reconhece as ações de controle social. Um exemplo disso é que nas últimas conferências de assistência social o Programa Criança Feliz foi reprovado e mesmo assim o governo não retrocedeu na implantação.

Esse cenário reforça a importância de se defender a participação. “Na assistência, entendemos que a própria participação já é um fator de redução de vulnerabilidade”, argumentou. Márcia Mansur também defendeu que as(os) trabalhadoras(es) inseridas(os) em políticas públicas precisam ser militantes e fazer uma defesa intransigente dos direitos sociais. “Como vamos falar de participação e autonomia com os usuários sem ter essas experiências em nossas vidas? Não falo de política partidária, mas de projetos políticos de sociedade. Precisamos ressignificar isso no dia a dia”, defendeu.

A conselheira também lembrou que a assistência social só conseguiu se instituir enquanto política em 2004, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e a criação do Sistema Único de Assistência Social, mesmo com as bases dessas políticas aprovadas em 1988. “Demoramos muito tempo para tirar a Constituição do papel. Não podemos relaxar, direito é conquista”, alertou.

Márcia Mansur também destacou que para 2019 está anunciado corte de 48% nos serviços e benefícios da Assistência Social e que a reforma da previdência prevê a desvinculação do valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo. “Vivemos o retorno do conservadorismo, do moralismo, com políticas punitivas e o preconceito contra o usuário. Infelizmente, vemos muitas profissionais imbuídas de preconceito e realizando uma ação fiscalizadora sobre as famílias”, concluiu.

Atuação em rede – A psicóloga e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Bárbara Andrada, apresentou a experiência de cuidado colaborativo desenvolvida no município do Rio de Janeiro, que apoia profissionais de atenção básica no cuidado em saúde mental de crianças e adolescentes, fomentando a articulação de ações intra e intersetoriais.

“Nosso trabalho é fazer o intersetor andar. Fazemos reuniões mensais nos territórios e participam representantes de todos os equipamentos, como: CREAS, CRAS, conselho tutelar, creche e escolas. E o que nós podemos perceber é que a partir do momento que as informações são compartilhadas, os casos andam, a lacuna socioassistencial é coberta”, relatou.

Bárbara Andrada também falou sobre os impactos da Lei 13.438/17, que determina que todas as crianças de 0 até 18 meses de vida sejam submetidas, nas consultas pediátricas, a protocolo ou outro instrumento para detecção de risco psíquico.

A psicóloga explicou que a lei foi aprovada sem amplo debate e apresenta inúmeros riscos, pois a literatura contraindica a aplicação de protocolo nesta faixa etária; no Brasil não há instrumento validado (não há instrumentos psicológicos com parecer favorável no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos – Satepsi) e a literatura alerta para alta incidência de falsos positivos e falsos negativos nesta faixa etária.

Apresentações

As apresentações utilizadas pelas integrantes estão disponíveis abaixo:

Alzira Jorge – As atuais políticas de saúde e seus reflexos no SUS: tempos de retrocessos

Bárbara Andrada – Intersetorialidade como operadora do cuidado integral à saúde mental infantil: estratégias colaborativas e desmedicalizantes em tempos de “lei do risco psíquico”

Lumena Furtado – O SUS e as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental



– CRP PELO INTERIOR –