No dia nacional do agente de trânsito, CRP-MG elenca pontos de atenção para a atuação da(o) psicóloga(o) neste segmento

Relações no âmbito da mobilidade constituem um cenário preocupante e desafiador

O trânsito foi uma das primeiras áreas de atuação da(o) psicóloga(o) no Brasil. A própria modelagem do processo de habilitação para condutoras(es) iniciou dando ênfase ao fator humano. Desde então, sociedade e profissão psi seguem evoluindo. Hoje a ideia de mobilidade humana envolvendo uma circulação mais acessível e segura como um direto de todas as pessoas, corrobora com o compromisso social da Psicologia.

A preservação e o respeito pela vida se dão por meio de ações educativas permanentes e integradas a todos os saberes e fazeres relacionados ao fenômeno trânsito. Na mobilidade sempre estará presente o fator humano, portanto, não se pode reconhecê-lo como fenômeno individual, porém como um processo coletivo.

Neste 11 de maio, Dia nacional do agente de trânsito, o CRP-MG propõe tais reflexões por meio de entrevista à conselheira referência da Comissão de Orientação em Psicologia do Trânsito do CRP-MG e também à coordenadora da referida comissão, Ana Luisa Barbosa.

60 anos da Psicologia – A entrevista integra o conjunto de ações que o CRP-MG está promovendo para marcar os 60 anos de regulamentação da Psicologia no Brasil. Periodicamente, o Conselho tem publicado conteúdos que abordam assuntos importantes para o campo profissional e científico.

As funções da Psicologia do Trânsito não se resumem à aplicação de testes psicotécnicos: é área de grande relevância para o entendimento dos comportamentos capazes de gerar riscos e sua prevenção. Atualmente, onde mais as(os) psicólogas(os) do trânsito deveriam estar? E como trilhar o caminho para conquistar mais espaços?

Entendemos que seja de muita importância que a(o) psicóloga(o) do trânsito esteja presente na educação de crianças e adolescentes, nos órgãos públicos de fiscalização, na reabilitação realmente efetiva de condutores infratores, nas empresas de transporte para apurar e acompanhar motoristas que possam indicar alguma dificuldade, por exemplo. As possibilidades são muitas, afinal todas(os) estamos inseridos no trânsito.

Aqui no CRP-MG temos a Comissão de Orientação em Psicologia do Trânsito, cujo principal trabalho é orientar a categoria para que o seu fazer seja cada vez mais ético e pautado na ciência psicológica e ainda propondo ações que regulamentem e proponham a expansão da profissão. E desde 2006, quando o Sistema Conselhos de Psicologia implantou o Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop), ganhamos um espaço potente de produção de referências técnicas que sistematiza conhecimentos e contribui com a abertura de novas frentes de trabalho para nós, no âmbito das políticas públicas.

É fato que em todas as pesquisas e campanhas já realizadas para melhoria da mobilidade, foi apurado que a maior parte dos acidentes é causada por motivos comportamentais tais como estresse, cansaço, excesso de autoconfiança, consumo de álcool, uso de celular ao volante, entre outros. Se para condutores comuns o estresse no trânsito é prejudicial, a situação se agrava para profissionais que passam horas seguidas conduzindo veículos, com destaque para os de grande porte, como caminhões, ônibus e carretas. O que a Psicologia ainda pode fazer para melhorar esse quadro?

Além de campanhas de conscientização é preciso entender que os motoristas precisam ser acompanhados periodicamente para que acidentes sejam diminuídos. Uma avaliação pericial feita há mais de 10 anos não é capaz de falar sobre uma pessoa atualmente, principalmente prever os riscos que ela pode causar com suas atitudes.

Entendo também que como psicóloga do trânsito seria preciso um acompanhamento para identificar as dificuldades individuais e dos grupos para que as necessidades de descanso entre outras pudessem ser respeitadas.

A prática psicológica do trânsito obviamente coloca o ser humano como prioridade. No entanto, na rotina da mobilidade atual, no Brasil, o automóvel ainda é posto neste lugar. Que ações a Psicologia pode desenvolver para mudar essa cultura?

O incentivo e cobrança da parte da Psicologia e dos direitos humanos, tendo como meta o direito a mobilidade com o fortalecimento dos investimentos em transporte público de qualidade e acessível financeiramente.

O Brasil é país recordista em ansiedade conforme diversas pesquisas. Isso se expressa no trânsito também? Sobre a violência no trânsito, o que está havendo com as pessoas que elas não estão conseguindo conter suas insatisfações, frustrações e angústias ao ponto de não tolerar o outro enquanto está em deslocamento? Qual o papel da(o) psicóloga(o) do trânsito nestas relações?

Certamente sim, o trânsito é um reflexo da nossa sociedade. Quase um recorte comportamental. Com isso entendo que os recordes de ansiedade tanto têm reflexo no trânsito, quanto o contrário também. Uma pessoa ansiosa não consegue agir sem esse traço ao dirigir. Não é possível excluir a ansiedade quando se é motorista, causando impaciência e pode causar consequências como sinistro e brigas no trânsito, que tem se tornado cada vez mais comum. Estamos vivendo um momento de muita violência e desrespeito na nossa sociedade. Individualidade sendo colocada como prioridade em detrimento do bem-estar coletivo. Acho que isso não é diferente no trânsito. Como disse, ele é um reflexo de como são as relações também fora dele. E com a relação de poder que nossa cultura dá ao motorista isso fica diretamente ligado. Temos que promover mais discussões e conseguir acompanhar as pessoas com maior frequência, para que nosso trabalho seja mais efetivo e não se resuma a avaliação pericial.

Ainda sobre a saúde mental de brasileiras e brasileiros, ao pensar que qualquer pessoa ao exercer seu direito de se deslocar, independentemente de sua condição física ou mental, é parte da mobilidade, ou seja, somente ter habilitação regular, conferida também a partir de testes psicológicos não basta para garantir que esse deslocamento seja seguro. Olhando para esse cenário, qual o maior desafio para a psicologia do trânsito?

O maior desafio seria conseguir uma mudança estrutural na nossa cultura no trânsito, onde todas as pessoas fossem respeitadas independente se usam transporte particular, público ou andam a pé pelas vias públicas. Para isso precisamos ocupar mais espaços de diálogo com a sociedade e órgãos públicos.



– CRP PELO INTERIOR –