17 mar Pré-Congresso em Belo Horizonte debateu situação política brasileira
Na sexta-feira, 11 de março, aconteceu o primeiro Pré-Congresso do 9º Corep na Região Central de Minas Gerais, em Belo Horizonte. O debate, promovido pelo Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), por meio da Comissão de Direitos Humanos, foi dedicado à análise do atual momento político do Brasil.
A psicóloga e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do CRP-MG, Rosimeire Silva, afirmou que o cenário político exige a reflexão sobre os riscos que se apresentam à democracia brasileira. “Durante 21 anos, vivemos uma ditadura civil e militar que produziu e agravou toda a profunda estrutura desigual que marca a sociedade brasileira. Esse regime também produziu, em nome de uma política de Estado, a política de extermínio da qual ainda são vítimas os jovens pobres e negros desse país”, afirmou Rosimeire.
O professor de Direito e coordenador regional da Rede pelo Constitucionalismo Democrático Latino-americano, José Luiz Quadros de Magalhães, traçou um amplo panorama do cenário político brasileiro, situando-o também em relação à conjuntura internacional. Na entrevista, a seguir, o professor aborda os principais aspectos relacionados à situação enfrentada pelo Brasil.
CRP-MG: Durante o Pré-Congresso “Violência de Estado”, o senhor afirmou que o Brasil está passando por um golpe. Como isso dá?
Luiz Quadros: Esses últimos fatos, especialmente ontem à noite [dia 16 de março], vão comprovando essa hipótese, que tem sido levantada por muitas pessoas, como juristas e membros do Ministério Público e integrantes da Associação de Juízes para a Democracia. Os golpes hoje não são mais os mesmos que nós vimos nas décadas de 60, 70, com militares nas ruas, tanques de guerra, etc. Talvez não haja mais ambiente para isso, especialmente, em âmbito internacional. Agora são golpes mais sofisticados. São golpes que utilizam as instituições. Tivemos um primeiro caso em Honduras, onde não foi tão sofisticado assim, porque o presidente foi sequestrado pelas Forças Armadas e levado para a Costa Rica e três meses depois convocaram as eleições. Assim deram uma cara de legitimação do processo, embora o mundo inteiro saiba que ainda existe perseguição, pessoas desaparecidas e mortas em Honduras. Depois veio o Paraguai, com o impeachment do presidente Lugo, sem nenhuma possibilidade de defesa, com manipulação dos meios de comunicação social. Houve uma campanha permanente contra o presidente Lugo, depois fizeram uma eleição e a direita venceu, também com toda a manipulação midiática.
Temos esses dois antecedentes e há um processo em curso de propaganda muito forte contra os governos populares que foram eleitos na América Latina. Nós vivemos um momento nos últimos 17 anos na América Latina, a começar pela eleição de Hugo Chavez na Venezuela, depois na Bolívia, Equador, Argentina, Chile, Brasil, Nicarágua e El Salvador, de eleição de governos começaram a ter um projeto de transformação social muito importante. Tanto que no último relatório, a ONU aponta que a região do planeta que nos últimos 10 anos mais reduziu a desigualdade socioeconômica foi a América Latina. Enquanto a desigualdade socioeconômica cresceu enormemente nos Estados Unidos e na Europa. Além do crescimento muito grande, houve a criação de instituições como CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), Unasul (União de Nações Sul-Americanas), que mostram esse caminho de soberania na América Latina. Também surgiram os BRICS, do qual fazem parte Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Tudo isso apresenta um enorme desafio para Estados Unidos e Europa, que reagem desestabilizando esses governos populares. Na verdade, mais ou menos populares, não estou dizendo que o governo Dilma é um governo de esquerda, infelizmente agora ele tem políticas de direita, mas o governo Lula promoveu uma inserção social enorme no Brasil: foram 60 milhões de pessoas que mudaram de vida, criação de campis universitários importantíssimos, universidades que são modelos. E não se trata de teoria da conspiração, se trata mesmo de competição internacional, competição por mercados e é óbvio que Europa e Estados Unidos não iriam ficar assistindo os BRICS crescerem sem fazer nada. E a resposta tem sido infelizmente comum, que é a resposta dos Estados Unidos em relação à América Latina, que é o patrocínio de golpes e a desestabilização de governos. É o que está acontecendo na Venezuela, Argentina, é o que aconteceu em Honduras, Paraguai, Equador e agora no Brasil. No Brasil, não vou dizer que está sendo usado o poder judiciário, mas é um juiz, o juiz Moro, que está agindo contra a lei, exagerando na sua competência, virou um tipo de super-herói.
CRP-MG: Vários juristas já sinalizaram que o juiz Sergio Moro violou leis e extrapolou suas atribuições durante a Operação Lava-Jato. O que pode acontecer com ele?
Luiz Quadros: Ele pode ser punido. Foi criado o Conselho Nacional de Justiça que tem essa possibilidade de punir juízes que contrariam a Constituição, a Lei, que extrapolam suas competências constitucionais. Ontem [16 de março] ele extrapolou qualquer limite, o que aconteceu foi absurdo! Colocar uma escuta telefônica na presidenta da república só pode ser feito com autorização do Supremo Tribunal Federal e ele fez sem essa autorização, isso é criminoso, ele tem que ser punido. E pior: divulgar publicamente essa escuta, ele não pode fazer isso. E a escuta ainda foi editada pela Globo. O golpismo da Globo a gente conhece de outros fatos, como a edição do debate de 1989. A Globo é uma concessão de um serviço público que age contra a democracia. O juiz Sergio Moro pode e deve ser punido, mas vamos aguardar, porque uma punição para ele agora vai acirrar os ânimos do outro lado. Vamos aguardar os próximos acontecimentos, os próximos dias.
CRP-MG: Como você vê a nomeação de Lula para a Casa Civil?
Luiz Quadros: Essa nomeação tem sido criticada porque as pessoas estão vendo como uma forma de fugir do Juiz Moro. Em primeiro lugar, a presença do Lula no governo pode ser muito importante até pela capacidade de negociar que ele tem e a presidenta Dilma não tem. Ela é uma administradora durona, com um perfil de menos diálogo. Ele não. Ele conseguiu durante o governo dele dialogar com todo mundo, direita, esquerda, construir projetos comuns, e talvez ele possa neste momento conseguir acordos positivos para a estabilização política e econômica do país. E a crise política está muito maior que a econômica. Vamos torcer para isso. Embora também seja muito difícil, já que está havendo uma polarização muito grande, e essa campanha midiática contra a figura da presidenta e do ex-presidente afeta inclusive a capacidade que eles têm de diálogo com a oposição.
Em relação ao foro, as pessoas estão confundindo. Ele vai ser julgado. A prerrogativa é que ele será julgado pelo Superior Tribunal Federal, porque quando uma pessoa está em uma função política e a importância que ele tem, que é uma importância global, é julgada pelo STF, mas ele não está fugindo. Ele não está obstruindo a Justiça. Porque se o juiz pode fazer essa investigação, isso pode ser feito melhor ainda pelo STF. São 11 ministros. Ministros que já se pronunciaram a favor da Lava-Jato, que têm se mostrado, mas nem todos eles, juízes competentes e isentos. Não significa fugir da Justiça. Mesmo porque não existe processo nenhum contra o Lula. Ele não está fugindo de nada. Sobre a conversa com a Rosa Weber, conversar com o ministro isso todo advogado faz. Se você tem um cliente, tem uma causa que será julgada, o juiz tem o dever de receber o advogado e ouvir seus argumentos. Então isso não é problema algum. Agora o fato do Lula e da Dilma terem escolhido a grande maioria destes ministros que estão no Supremo, isso é verdade. Mas escolheram mal. O nosso método de escolha é igual ao norte-americano: o presidente indica e o Senado tem que aprovar. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, foi nomeado pelo Fernando Collor e é o que mais tem se pronunciado em relação a esses abusos do juiz Moro. Agora, há muita crítica, inclusive da esquerda, do Lula não ter privilegiado pensadores, juristas, doutores, professores universitários, que são de pensamento progressista. O presidente da República nomeia pessoas isentas, honestas, mas que têm uma visão que compartilha com a visão política de governo. A função de juiz é uma função técnica, não é uma função política, mas um técnico que representa um viés de pensamento de Direito progressista, em favor das minorias, dos direitos das mulheres, dos afrodescendentes. Isso acontece muito nos Estados Unidos. Mas não foi isso que o Lula e a Dilma fizeram. Eles nomearam técnicos. Tanto que têm julgado contra teses do governo. Então não se pode falar que o Supremo é comprometido com o PT, porque não é. E vem provando todos esses anos que não é.
CRP-MG: Qual é o cenário que pode ser vislumbrado daqui em diante?
Luiz Quadros: É muito difícil fazer previsões, é um momento ainda de muita tensão. Há uma enorme semelhança com 1954, em relação a Getúlio Vargas, que tinha uma política nacional, a criação da Petrobras, a campanha “O petróleo é nosso”. A mídia golpista tentava difamar o Getúlio Vargas e havia uma outra liderança que era o Lacerda, mas não temos o Larcerda de hoje, pois o Aécio Neves não tem capacidade para falar, é uma liderança fraca e também está envolvido em escândalos. Aliás, tem muito mais denúncias contra ele. E contra a presidenta Dilma não tem denúncia nenhuma. Impeachment por quê? Então a situação guarda semelhanças com o golpismo de 1954. Guarda semelhanças com 1964, quando João Goulart também tinha uma política nacionalista, uma lei que limitava remessas de lucros para o exterior, e então vem a pressão norte-americana, que patrocina o golpe de Estado, junto à mídia golpista antinacional, uma parcela das Forças Armadas, lembrando que naquela época mais de cinco mil militares foram contra o golpe. Eles se mobilizaram contra. Foram oprimidos, afastados. Então o golpe de 1964 foi um golpe empresarial e militar patrocinado pelos Estados Unidos, consta em documentos e sabe-se que alguns navios norte-americanos estavam na Baía de Guanabara para invadir o país caso o Exército do Sul resistisse.
Há semelhanças, mas tem coisas distintas. Primeiro, o ambiente internacional que não tolera mais golpe militar. Então se tem um golpe institucional, um golpe parlamentar, que é um golpe midiático, que é um golpe com a participação de juiz, de promotores de São Paulo. Outra diferença que hoje temos uma sociedade civil muito mais organizada do que no passado. Os movimentos sociais são maiores e muito mais organizados e estão espalhados pelo Brasil inteiro. E uma outra novidade é a possibilidade de nos comunicarmos globalmente de imediato. Temos como desmentir a grande mídia. Temos as redes sociais. Isto é um instrumento interessante contra a manipulação. As redes sociais, os blogs têm conseguido fazer um trabalho de esclarecimento da população. Essa possibilidade de comunicação dos movimentos sociais, essa mobilização que é muito maior, pode ser capaz de barrar o golpe. E eu estou apostando nisso. Estamos mobilizados para evitar o andamento deste golpe, para resistirmos e fazer valer a democracia. Passando esta onda golpista deve-se insistir em um diálogo nacional capaz de diminuir esse ódio, pois as pessoas não ouvem nada, essa divisão do país que é muito perigosa, muito ruim para todo mundo. E, por meio do diálogo, acredito que a gente consiga um acordo para que o país volte a ter crescimento econômico, estabilidade política. Porque a crise é muito mais política que econômica. E a crise econômica se agrava por causa da crise política.