‘Prevenção do suicídio só se dá quando envolvemos toda a sociedade’, alerta conselheira do CRP-MG

No mês em que a campanha Setembro Amarelo chama a atenção para o suicídio, Brasil precisa encarar problema de saúde pública de forma multifatorial

O Brasil registrou, em 2020, 12.895 casos de suicídio, de acordo com dados do DataSUS, plataforma do governo federal que reúne dados sobre a saúde no país. Na década entre 2011 e 2020, as mortes por “lesão autoprovocada” cresceram 35%, enquanto em outras partes do mundo, os números reduziram no mesmo período.

Ainda segundo o DataSUS, Minas Gerais é o segundo estado com o maior número de casos, atrás apenas de São Paulo.

Para a conselheira do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), Cristiane Nogueira, faltam políticas públicas para prevenir o suicídio e o problema deve ser tratado dentro do contexto de cada pessoa.

Confira a entrevista completa:

O suicídio é um fenômeno presente em diversas sociedades. De acordo com dados da OMS, são registrados cerca de 14 mil suicídios por ano no Brasil e algo em torno de 700 mil em todo o mundo. Como o suicídio é visto no país?

No Brasil, o suicídio é visto como um problema de saúde pública e tem sido cada vez mais abordado e discutido. É importante que a gente tome o conceito de saúde de maneira ampla e que o fenômeno do suicídio não se restrinja a um sintoma de doença mental. E que seja sempre visto como um fenômeno multifatorial, levando em consideração o contexto de vida das pessoas, suas relações.

Existem políticas públicas de prevenção do suicídio? Qual a sua avaliação sobre elas e o que mais poderia ser feito?

Temos alguma legislação em âmbito federal sobre a prevenção do suicídio, mas que não se configura enquanto política pública para o enfrentamento dessa questão. É importante que o país, diante desse problema de saúde pública, possa fazer e tomar medidas de forma intersetorial, a política pública precisa se dar na costura da intersetorialidade. O que a gente tem são ações isoladas de estados e municípios, mas que não se configuram enquanto uma política pública nacional. São iniciativas locais, algumas bem sucedidas, e que vão corroborar o viés da intersetorialidade.

Números mostram uma ocorrência grande de suicídios entre os jovens – em alguns países é uma das principais causas de morte nessa faixa etária. Por que isso ocorre?

A adolescência é um período do desenvolvimento humano considerado período de crise, enquanto os sujeitos vão experimentar mudanças corporais, hormonais, relacionais, na forma de compreender sua própria identidade, de muitas descobertas. É uma fase de turbilhão de acontecimentos, o que faz com que esse público se torne vulnerável ao sofrimento emocional. Os dados têm apontado, realmente, um número alarmante de adolescentes e jovens com comportamento suicida e é importante que a gente tenha ações de políticas públicas voltadas para esse público específico. No enfrentamento do fenômeno do suicídio, que é um fenômeno multifatorial, é preciso compreender que população está ofertando cuidado para que as ações possam ser voltadas para as especificidades dessa população, nesse caso jovens e adolescentes.

Como trabalhar a conscientização sobre a importância da vida principalmente para este público?

Precisamos pensar que a garantia dos direitos é um fator bem importante. A gente vive um cenário de muito desalento, de falta de perspectiva de vida e não dá para desconsiderar que isso tenha impacto na condição de saúde mental das pessoas. Então, ter políticas públicas que garantam os direitos das pessoas, políticas públicas voltadas para adolescentes e jovens, é de suma importância para que a gente possa trabalhar com a valorização da vida.

Qual o papel da sociedade (família, amigos) nesse processo de prevenção do suicídio?

No caso dos adolescentes e jovens, o trabalho se dá de maneira muito exitosa com grupos, porque é uma fase em que as pessoas buscam o grupo até como forma de construção da própria identidade. Então, esses trabalhos em grupo, em que eles tenham um espaço verdadeiro de fala, que possam ser verdadeiramente escutados, são a melhor forma de a gente começar a trabalhar essa questão, considerando que no contexto atual as pessoas se ouvem muito pouco e se percebem muito pouco e às vezes falam desmedidamente, mas sem esse espaço de escuta. Mas também considerando que esses adolescentes carecem de espaços coletivos de fala.

Qual é o papel das psicólogas e dos psicólogos?

A prevenção do suicídio só se dá se a gente tiver o envolvimento de toda a sociedade. Então, é importante reconhecer que somente os segmentos profissionais, como a Psicologia, a Psiquiatria e de outros profissionais, principalmente no campo da saúde, não são suficientes para trabalhar a questão da prevenção do suicídio. É um problema de saúde pública, mas que precisa ser enfrentado de forma intersetorial, envolvendo a sociedade e a família das pessoas que enfrentam algum sofrimento emocional.



– CRP PELO INTERIOR –