Projeto de lei que regulamenta jornada de psicólogas(os) em até 30 horas é conquista histórica da categoria

Nos últimos 30 anos, psicólogas(os) de todo o país se mobilizaram para tentar garantir a jornada reduzida, que poderá virar lei em Minas Gerais.

Nas últimas três décadas, psicólogas(os) de todo o país se mobilizaram para ampliar as discussões em torno de uma legislação para regulamentar a jornada de trabalho para as(os) profissionais em até 30 horas semanais. Os motivos para a defesa dessa pauta como uma das prioritárias na área da saúde são diversos: vão desde a necessidade de garantir melhor qualidade de vida e saúde mental para as(os) profissionais até uma equiparação com as jornadas de trabalho de outras(os) profissionais da área. Clique aqui e reveja a Nota conjunta em defesa do PL 1214/2019: 30 horas já!

Na última semana, o Projeto de Lei 3.648/2022, de autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT) foi protocolado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e começou a tramitar. Caso seja aprovado, o projeto garante redução na jornada de trabalho sem que a remuneração do profissional – seja no setor público ou no privado – seja afetada. 

De acordo com a ex-presidenta do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), Lourdes Machado, o projeto reafirma a importância do papel da(o) psicóloga(o) na sociedade em um momento importante, em que a profissão completa 60 anos no país. “Nós vamos fazer 60 anos de Psicologia e, ao longo dessas décadas, nós, enquanto profissionais, somos defensoras(es) das políticas públicas. Então, é um movimento de luta contra a precarização do trabalho, pela democracia, pelas transformações sociais que a nossa classe trabalhadora precisa”, defende.

Lourdes lista os benefícios de uma eventual aprovação do projeto de lei, que passam tanto pelo dia a dia da(o) profissional de Psicologia quanto pelas características das profissões da área da saúde, que atuam de forma multidisciplinar e, muitas vezes, até complementares. “A redução do trabalho vai ser um marco de desenvolvimento, uma necessidade para proteger e assegurar a saúde física e mental dos profissionais. No nosso cotidiano, lidamos com temas diversos como estresse, sintomas depressivos, transtornos ansiosos, luto, compulsões, que exigem cuidados enormes. E também para a gente exercer plenamente a nossa função, para termos uma escuta qualificada, a gente faz supervisão clínica. O nosso instrumental de trabalho é a nossa escuta qualificada e para isso precisamos nos qualificar”, afirma.

“O outro ponto é que há outras profissões, como Serviço Social, Fisioterapia, Medicina, que já conquistaram esse trabalho semanal até 30 horas. E, uma dúvida que surge: será que se a gente reduzir para trinta horas ou até trinta horas, vai diminuir a nossa produtividade? Os resultados estatísticos dizem que não, pelo contrário, apontam para um aumento dessa produtividade”, elucida Lourdes.

De acordo com a presidenta do Sindicato das Psicólogas e dos Psicólogos de Minas Gerais (PSind-MG), Luanda do Carmo Queiroga, a mobilização feita pela categoria no Estado não invalida a luta histórica que a categoria encampou em nível nacional. Para ela, são ações complementares. “Não estamos ignorando as articulações necessárias a nível federal, mas as de âmbito regional são importantes para fortalecer as lutas aqui no Estado. Então, considero um grande avanço, Psind-MG e CRP-MG juntos, pautando isso na Assembleia Legislativa, sendo acolhidas pela pelo mandato da deputada Beatriz Cerqueira na solicitação e iniciando esse processo também em Minas”, argumenta. 

O projeto foi elaborado a partir de sugestões das duas entidades, encaminhadas para a deputada em fevereiro deste ano. A partir desse documento, a parlamentar elaborou uma proposta autorizativa para que ela possa tramitar sem maiores riscos de ser barrada, seguindo exemplo de outras categorias, como a da Enfermagem. “Ao fazer dessa forma, como uma proposta autorizativa, a gente permite a tramitação do projeto para que possamos avançar na legislação. Tenho usado esse mecanismo para evitar que o governo diga que não é possível”, explica.  

Posicionamento – Em dezembro do ano passado, uma Nota conjunta  assinada por todo o Sistema Conselhos de Psicologia pedia a aprovação do Projeto de Lei 1.214/2019, que tramita no Congresso Nacional. O texto estabelece 10 pontos para justificar a necessidade de uma regulamentação da jornada de trabalho de até 30 horas semanais. Entre eles estão: insalubridade das extensas jornadas de trabalho para profissionais da categoria; adoecimento constatado de psícólogas(os); regulamentação que já ocorre em diversos municípios; aumento da eficiência laboral, segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT); equalização da jornada com a de outras profissões da área da saúde; possibilidade de aperfeiçoamento profissional; dentre outras. 

Histórico – O diálogo sobre a fixação de 30 horas de atuação semanal para psicólogas(os) iniciou em 2007, no Sistema Conselhos de Psicologia, nos congressos regionais. Culminou com as teses aprovadas no VI Congresso Nacional da Psicologia, que constaram no caderno de deliberações item 45 do eixo III. 

O texto trazia: “relaciona-se à jornada e à saúde do trabalhador psicólogo. Envolve tanto a discussão de jornada de trabalho, como uma mobilização no Congresso Nacional para a aprovação de uma lei que limite a jornada de trabalho. A discussão se respalda na melhoria das oportunidades e condições de trabalho dos psicólogos, pois tais questões estão diretamente relacionadas com a saúde desse profissional”.   

No ano seguinte, o Sistema Conselhos conseguiu sensibilizar o Congresso Nacional, e por meio do deputado federal Felipe Bornier (PHS/RJ), apreciou o Projeto de Lei 3.338/2008. O texto propunha a fixação de 24 horas semanais para a carga horária da categoria como um todo, sem se vincular ao piso salarial. No Senado Federal, o PL chegou como Projeto de Lei da Câmara (PLC), com o número 150/2009.

 Em 2011, foi realizada audiência pública, a pedido da então senadora Marta Suplicy, com a presença de Fernanda Magano, presidente da Federação Nacional dos Psicólogos (Fenapsi); Monalisa Barros, diretora tesoureira do Conselho Federal de Psicologia (CFP); Rogério Giannini, presidente do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo (SinPsi). Ainda neste ano, o Senado aprovou o texto final do PLC, por meio de um substitutivo que foi encaminhado à sanção presidencial. 

Somente em 17 de novembro de 2014 a presidência da República recebeu o texto, mas vetou-o integralmente alegando que a redução da jornada impactaria o orçamento dos entes públicos, sobretudo dos municípios, com risco às políticas de atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo a presidenta Dilma Rousseff, a medida também poderia elevar custos dos empregadores no setor privado e ainda observou a inexistência de regras de transição para os diversos vínculos jurídicos em vigor. Por fim, observou falta de estimativa de impacto orçamentário, contrariando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Na ocasião, a presidenta sugeriu que a negociação coletiva seria uma opção mais adequada para harmonizar interesses de gestores da saúde e dos profissionais.

Em março de 2015 o deputado Felipe Bornier (PSD-RJ) voltou a apresentar então um PL, de número 769/2015, mas que foi rapidamente arquivado pela Comissão de Seguridade Social e Família. Na sequência, em junho, os parlamentares decidiram também por mantero veto presidencial ao projeto anterior, que também foi arquivado.  

O Sistema Conselhos de Psicologia se reorganizou, buscou novos elementos para argumentação e elaboração de uma minuta. Em fevereiro de 2019, um novo Projeto de Lei, desta vez de número 1.214/19, foi apresentado pela deputada Erika Kokay (PT-DF), que apontou dados do CNES/Datasus de 2014. Eles mostravam que 59,49% da categoria atuante na esfera pública de saúde cumpriam jornada semanal menor ou igual a 30 horas e que no setor privado chegavam a 74,23%. Na visão da parlamentar isso indicava a falta de mecanismo de negociação para acordos coletivos, tornando necessária a regulação da jornada de trabalho. 

O projeto permanece tramitando em caráter conclusivo – apreciado somente pelas comissões e não precisa passar pelo Plenário. No final de 2021 foi apresentado pelas deputadas Erika Kokay (PT-DF) e Natália Bonavides (PT-RN) e aprovado por recomendação do relator na comissão, deputado Alexandre Padilha (PT-SP) na Seguridade Social e Família. A próxima etapa será análise das comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.



– CRP PELO INTERIOR –