Psicologia em Foco discute saúde de quem trabalha em situações de emergências e desastres

Bombeiros, socorristas, policiais e profissionais da Defesa Civil são algumas das categorias de trabalhadores que atuam cotidianamente em situações de emergências e desastres. E quais são os impactos desse trabalho na saúde dessas pessoas? Esse foi o tema do Psicologia em Foco realizado na quarta, 13/7, pelo Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG).

Participaram do debate, o professor de Psicologia da PUC Minas, Carlos Eduardo Carrusca, autor de estudos no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, e Lilian Garate Castagnet, psicóloga clínica, com especialização em saúde mental em emergências, catástrofes e desastres pela PUC do Chile. A mesa foi mediada por Júnia Lara, psicóloga e integrante do Grupo de Trabalho de Psicologia de Emergências e Desastres do CRP-MG.

Acidente de trabalho – O professor Carlos Eduardo Carrusca chamou a atenção para a importância de se compreender algumas situações de desastre como acidentes de trabalho. Nesse sentido, citou como exemplo a queda de um avião, situação em que normalmente pensa-se nas vítimas e em suas famílias e os trabalhadores envolvidos são lembrados na condição de responsáveis pela ocorrência. “É preciso ter muito cuidado quando se faz a análise de um acidente de trabalho para não culpar a vítima. Na definição do acidente de trabalho há uma luta política, econômica e ideológica”, argumentou.

Outro desafio apontado pelo professor é a mobilização das instituições e gestores para que viabilizem a prestação de apoio psicológico aos profissionais. O professor relatou um caso em que foi acionado por uma empresa de mineração por ocasião do rompimento de uma barragem. A primeira demanda apresentada pela organização foi a de atendimento aos atingidos e suas famílias, mas a equipe de psicólogos argumentou sobre a importância de atender também os trabalhadores da empresa que demonstrassem interesse em receber apoio psicológico, inclusive aqueles envolvidos em dar respostas aos órgãos públicos e de fiscalização.

Carlos Eduardo Carrusca apresentou o depoimento de um segurança que trabalhava na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, no dia 27 de janeiro de 2013. O incêndio no local deixou 241 mortos. Em entrevista, o segurança relembrou cenas que o chocaram, como os corpos das vítimas pisoteados e empilhados no interior da boate. “O problema é que provavelmente esse segurança vai ficar esquecido”, afirmou.

Ainda em relação à tragédia ocorrida em Santa Maria, o professor relatou que os profissionais do SAMU e da UPA também receberam apoio psicológico. “Eles estão acostumados a situações de emergência, mas nunca tiveram que socorrer tantas pessoas e sob tanta pressão. Havia um clima de comoção muito grande. Alguns ficaram em plantão por mais de 40 horas seguidas. E a mídia não espera nada menos do que essas pessoas se comportem como heróis”, relatou. Carlos Eduardo Carrusca também defendeu a formação de equipes para os primeiros auxílios psicológicos, que devem acontecer de 48 a 72 horas após a ocorrência.

Prioridade – A psicóloga Lilian Garate chamou atenção para o fato de que nos protocolos relativos a emergências e desastres as equipes de resposta aparecem em terceiro lugar no conjunto de públicos a serem atendidos. Em primeiro, estão as vítimas diretas e, em segundo, os familiares. “Essa escala mostra que as equipes de resposta devem ser atendidas com prioridade”, explicou. Segundo a psicóloga, isso se justifica por fatores como a exposição com maior frequência a situações traumáticas, a expectativa que há em torno da atuação desses profissionais de que sempre superem os próprios limites e a responsabilidade que o trabalho desempenhado por eles representa. “Atuar numa situação que envolve vida ou morte é diferente de não conseguir vender todos os produtos que eu gostaria ou bater uma meta no banco, por exemplo”, relatou Lilian.

Outros fatores que aumentam os riscos para a saúde desses trabalhadores são os turnos de trabalho extensos, que geralmente são de 12 horas, mas podem se prolongar dependendo da situação, o local de trabalho precário, a impossibilidade de compartilhar com pessoas próximas como foi o dia de trabalho – por quererem se distanciar do ocorrido ou ter medo de sobrecarregar a família com relatos de situações trágicas. “Em geral eles compartilham algumas vivências entre colegas de trabalho, mas nesse ambiente não podem admitir fragilidades, falar sobre suas dores e dúvidas porque têm medo de serem considerados inaptos para o trabalho”, relatou.

Lilian Garate também citou um aspecto sobre o qual os profissionais têm dificuldade de falar, que são os longos períodos em que podem ficar de plantão e não acontecer nada. “Esse é um lado difícil de assumir, mas também é um fator muito importante de geração de estresse nessas esquipes”, afirmou.

Segundo a psicóloga, o mais recomendável é que as equipes de atendimento psicológico sejam internas às instituições, pois assim terão mais facilidade de compreender as dinâmicas de trabalho e as pressões às quais os profissionais estão submetidos.

“Há um conceito que vem dos Estados Unidos que é contestado noutros lugares, mas que acho importante pensarmos a respeito que é o ‘oásis no desastre’. Ele diz respeito à criação de um local seguro para a equipe de resposta poder descansar, se reunir, atender as famílias, um local para descomprensão”, relatou.

Ao final de sua exposição, Lilian Garate realçou a importância de que sejam implantados programas sérios de prevenção ao abuso de substâncias psicoativas, sem adotar um viés de culpabilização do trabalhador que vê nessas substâncias a saída para aliviar as tensões que surgem do exercício profissional.

A psicóloga e professora Júnia Lara incentivou os participantes do evento a realizarem mais pesquisas sobre o tema das emergências e dos desastres, uma vez que essa é uma área nova na Psicologia. “Os problemas são antigos, mas a forma como estamos nomeando é nova e isso também é importante porque quando conseguimos isso nos apazigua”, avaliou.

Para ouvir a entrevista completa, utilize o player abaixo.



– CRP PELO INTERIOR –