Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher repudia alteração na Lei Maria da Penha

O Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais, na condição de integrante da Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher de Minas Gerais, replica a nota de repúdio da referida Rede sobre alteração na Lei Maria da Penha:

NOTA DE REPÚDIO

A Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher/MG repudia veementemente a Lei 13.827 de 2019, que alterou a Lei Maria da Penha, por meio do acréscimo do art. 12-C a este diploma, autorizando, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pelo Delegado de Polícia ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Primordialmente, há 12 anos, quando entrou em vigor no Brasil a Lei Maria da Penha foi recebida de maneira controversa pela sociedade e reputada inconstitucional por muitos estudiosos do Direito. Ao Supremo Tribunal Federal restou a tarefa de afirmar a sua constitucionalidade e sua importância para o enfrentamento à violência doméstica e familiar.

Não obstante, o Sistema de Justiça ainda enfrenta muitos desafios para fazer valer tão importante norma, que é cotidianamente atacada e descumprida.

Desde o último dia 13 de maio, mais uma vez, as mulheres do país estão às vias de padecerem com alterações à Lei Maria da Penha, que não possuem o condão de trazer-lhes qualquer benefício.

O texto do art. 12-C, incluído na Lei Maria da Penha pela recém-sancionada Lei 13.827 de 2019, permite que delegados de polícia concedam medida protetiva de afastamento do agressor do lar, quando o Município não for sede de comarca. O dispositivo concede ainda a mesma autorização a Policial, “quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia”. Em ambas as hipóteses, a lei prevê o encaminhamento da decisão para apreciação da autoridade judiciária, que deverá, em 24 horas, decidir sobre sua manutenção ou revogação.

A inconstitucionalidade deste dispositivo é evidente, estando a ferir inúmeros princípios, dentre eles o da reserva da jurisdição, pois atribui a Delegados e até policiais o poder de restringir o direito de uma pessoa sem a observância do devido processo legal.

Não se pode cogitar a possibilidade de um delegado ou policial interferir no domicílio de alguém sem ordem judicial para tanto, ainda que para retirar o agressor, privando-o de liberdade, antes do devido processo legal, salvo em caso de flagrante delito, nos termos da previsão constitucional, não cabendo á legislação infraconstitucional dispor de forma diversa.

A atividade jurisdicional que pressupõe a capacidade técnica e a imparcialidade para interpretar a lei e julgar o caso concreto, terá sido atribuída ao delegado de polícia ou, na sua ausência, ao policial. Trata-se da institucionalização do Estado Policial, em oposição ao Estado Democrático de Direito.

Além disso, muitas das queixas de revitimização por parte das mulheres são provenientes dos órgãos de segurança pública (delegacias e policiais militares), o que demonstra a necessidade clara de capacitação permanente do corpo institucional para atendimento da demanda da violência contra mulheres, bem como a ampliação do numero de Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM’s) pelo país, inclusive, com plantão de 24 horas.

Assim, ao determinar que estes mesmos órgãos detenham atribuição para conceder ou não as medidas protetivas, sobretudo as mais urgentes, a nova redação da lei estará sujeitando as mulheres à revitimização no inicio do procedimento, cuja finalidade é, precipuamente, a sua defesa e amparo, ou, em casos mais graves, estará fortalecendo e empoderando o agressor, expondo a mulher a graves riscos.

O efetivo cumprimento da Lei Maria da Penha perpassa pelo adequado aparelhamento do sistema judicial de apuração, penalização e ressocialização dos agressores, por meio da ampliação de número de varas e Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, o que, consequentemente, ensejaria a ampliação os serviços de Núcleos de Defesa da Mulher da Defensoria Pública, bem como de Promotorias Especializadas na Defesa da Mulher.

Diante do exposto, REPUDIAMOS mencionada alteração legislativa, por não trazer benefícios às mulheres em situação de violência e pela possibilidade de inibir a notificação dos casos de violência.

Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher/MG



– CRP PELO INTERIOR –