Resultado das eleições municipais revela que participação das mulheres na política ainda é desafio

No último domingo, 2 de outubro, mais de 118 milhões de brasileiras e brasileiros foram às urnas para participar das eleições para as prefeituras e câmaras municipais. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 52,2% do eleitorado brasileiro é formado por mulheres. Minas Gerais segue a tendência nacional: as mineiras somam 51,67% do eleitorado, com 8.108.910 mulheres aptas a votar.

No entanto, há uma grande desproporção entre o conjunto de mulheres eleitoras e o número de mulheres eleitas. Em Minas Gerais, as estatísticas do TSE revelam que as mulheres são 10,86% entre os vereadores eleitos e apenas 7,29% entre os vencedores para o comando das prefeituras (considerando os resultados do primeiro turno).

A professora do Departamento de Ciência Política da UFMG, Marlise Matos, realça que os resultados das eleições municipais de 2016 levaram à diminuição na representatividade de mulheres no espaço político institucional. “Mais uma vez estamos regredindo porque vínhamos operando mais ou menos numa faixa de 12% de mulheres nas câmaras e nas prefeituras também chegamos a ter mais de 10%. O fato é que é a gente não discute e não problematiza o caldo de cultura patriarcal em que a gente vive. Temos que problematizar fundamentalmente a estrutura masculina dos partidos políticos, o desinteresse da lógica partidária pela candidatura das próprias mulheres”, avalia a professora.

Levantamento realizado pelo jornal Folha de S. Paulo a partir de dados financeiros enviados à Justiça Eleitoral confirma a falta de apoio dos partidos às candidatas: as mulheres receberam, em média, 30% menos recursos do que os homens para suas campanhas às câmaras.

Assim como são vários os fatores que dificultam o ingresso de mulheres na política, são diversas também as estratégias que levarão a uma mudança nesse cenário. Uma delas é investir no trabalho junto às próprias mulheres, uma vez que já são a maioria da população. “Eu acho que talvez fosse mais operativo e eficaz ao invés de ficar investindo na cultura de uma maneira generalizada para mudar a sociedade patriarcal brasileira, o que não é algo trivial, investir em apoio mais focalizado nas próprias mulheres. De forma que elas possam ser sensibilizadas para essa discussão e das implicações, das consequências, reverberações dessa participação rarefeita de mulheres na política”, defende Marlise Matos.

Quem de nós? – Eleita a vereadora mais votada de Belo Horizonte (com 17.420 votos), Áurea Carolina comprova a importância da sensibilização e da disponibilidade das mulheres para lutarem por representação nos espaços políticos institucionais. “Minha candidatura vem de uma percepção de que era uma tarefa a ser cumprida também, que eu precisaria me apresentar junto com outras aliadas para encarar esse processo. Então é uma questão de saber que eu precisava me disponibilizar, que precisa ter esses corpos que vão disputar o jogo. Não adiantava a gente ficar ‘ah, precisamos ter mais mulheres na política’. Mas quem de nós? Como que a gente vai organizar e preparar esse caminho?”, relata.

Áurea lançou-se candidata a partir do movimento “Muitxs – a Cidade que Queremos” de caráter suprapartidário e que lançou candidaturas comprometidas com o diálogo e a construção coletiva dos mandatos. Áurea explica que esse modelo implica na escuta e no diálogo com a cidade todo o tempo, por isso, ainda não há um projeto definido, mas perspectivas pactuadas junto ao Movimento que nortearão seu trabalho na Câmara.

Nesse sentido, ela explica que em relação às mulheres defenderá que todas as políticas da cidade tenham uma perspectiva de gênero e raça, que haja oferta de vagas para todas as famílias que necessitem das creches públicas em tempo integral, que seja retomada a discussão sobre a inserção de temas ligados a gênero e sexualidade nas escolas e que também se discuta a articulação de ações ligadas a direitos sexuais e reprodutivos nos campos da saúde e da educação.

Abstenções – Um fator que chamou muita atenção nas eleições foi o elevado número de abstenções (eleitores que não compareceram às urnas) e votos brancos e nulos registrados. Em nove capitais brasileiras, incluindo Belo Horizonte, a soma de abstenções, brancos e nulos superou o número de votos recebidos pelo candidato que ficou em primeiro lugar na disputa para prefeitos.

“O não voto é um ato político. Votar branco e nulo não é ficar fora da política, pelo contrário. Acho que uma hipótese para explicar isso, e talvez não seja a única, é o desencanto mesmo das pessoas com a política no Brasil. Já temos evidências empíricas importantes de que nós estamos com um problema sério no sistema político partidário no Brasil”, avalia Marlise Matos.

A psicóloga e mestra em Psicologia Social, Daniela Tiffany, também realça o efeito do crescimento da descrença da população em relação à política. “Temos um crescimento do discurso da não política. Então é o pensamento de que política não faz diferença. Acho que essa é uma questão de um efeito psicológico importante. As pessoas vão se distanciando da relevância do que é o processo eleitoral e do que é votar. Alguns grupos conseguem se manter mais porque estão ali do que por apresentar propostas”, considera Daniela.

A psicóloga acrescenta: “a descrença é extremamente válida para quem quer instituir o mesmo, porque para instituir o novo você precisa de esperança, você precisa de acreditar, inovar, mesmo sem ter a certeza dos resultados”.

A conselheira presidenta do Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), Cláudia Natividade, chama atenção para os efeitos dessa postura avessa à política, especialmente no caso da psicologia. “Discutir política é muito importante para nossa categoria profissional. Não significa com isso fazer uma discussão partidária, mas a política é importante porque trata de projetos que vão incidir diretamente nas nossas vidas e subjetividades”, avalia Cláudia.

Segundo a presidenta do CRP-MG, é importante que os projetos políticos sejam analisados na perspectiva da inclusão das pessoas, das minorias e do incentivo à participação e à democracia, pois isso pode levar ao pleno exercício da cidadania, o que terá reflexos diretos nas subjetividades. “Um bom exemplo é a luta antimanicomial, que atua politicamente pela inclusão das pessoas no seu próprio tratamento e as reconhece como capazes de agir, fazer escolhas e serem ativas no mundo. Essa lógica é inclusiva e libertária e tem efeitos tanto na prática de psicólogas(os) quanto nos sujeitos que atendemos”, explica Cláudia.

Ataques na internet – Além das abstenções, outro comportamento que se tornou frequente durante o processo eleitoral foi a propagação de ataques virtuais preconceituosos a alguns candidatos. Mulher, jovem, negra e ativista de vários movimentos sociais Áurea Carolina conta que já começou a ser alvo desse tipo de manifestação, principalmente após o resultado expressivo que conquistou nas urnas.

“Os ataques começaram e de todos os lados. Não têm a ver necessariamente comigo. Isso é um momento da conjuntura nacional de crescimento do conservadorismo, esses discursos de ódio estão aparecendo com muita facilidade. Tenho que estar preparada e tranquila para lidar com isso e ter uma atuação bem pedagógica de explicar os conteúdos que nós defendemos para as pessoas entenderem e tentar minimizar esses danos. Mas é inevitável que nós vamos enfrentar muitas reações negativas, até porque nós estamos tentando mexer em estruturas de privilégios. Então é ter tranquilidade, essa postura de amor, de diálogo e não revidar, não entrar nessas provocações. O fato de ser mulher, em si, já me coloca muito mais exposta nesse contexto”, explica Áurea Carolina.



– CRP PELO INTERIOR –