Seminário dialoga sobre urgência do fim dos manicômios judiciários

Psicologia está entre as profissões que lutam pela desinstitucionalização das(os) internas(os)

Da esq. para a dir.: Mariana Oliveira (LabTrab/UFMG), Carolyne Reis (professora de Psicologia e coordenadora do LabTrab/UFMG), Afrânio Nardy (juiz da Cemes e membro do GMF), Isabella Lima (conselheira), Camila dos Santos (Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos), Bárbara Faria (LabTrab/UFMG), Andrêza Fernandes (Fórum Mineiro de Saúde Mental) e Guilherme Cardoso (LabTrab/UFMG)

A ideia de periculosidade da loucura segue sendo contestada e o debate torna-se urgente no contexto de fechamento dos manicômios judiciários. O tema pautou o Seminário “Ainda lutamos aqui: pelo fim dos manicômios judiciários”, realizado nos dias 21 e 22 de maio pelo Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Cárcere e Direitos Humanos (LabTrab/UFMG), Fórum Mineiro de Saúde Mental (FMSM), Frente Mineira sobre Drogas e Direitos Humanos (FMDDH), Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade e ainda pela Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Minas Gerais (Asussam) e Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), por meio de sua Comissão de Direitos Humanos.

A atividade promoveu diálogos críticos, articulando diferentes perspectivas e saberes, potencializou a atuação da Psicologia diante de fenômenos contemporâneos relacionados ao sistema de justiça e à política de saúde mental e fortaleceu o diálogo entre as organizadoras.

“Defendemos de forma intransigente o cumprimento da Resolução nº 487/2023, do Conselho Nacional de Justiça, que estabelece a política antimanicomial do Poder Judiciário. Ela prioriza o atendimento ambulatorial como mecanismo de tratamento, estancando a porta de entrada das internações, promove a desinstitucionalização das pessoas internadas e estabelece um prazo para que os tribunais possam fechar os manicômios judiciários”, explica Isabella Lima, conselheira e coordenadora colegiada da Comissão de Direitos Humanos do CRP-MG.

Por outro lado, os participantes do Seminário refletiram sobre os numerosos projetos de lei, que tramitam nas casas legislativas pelo país, ratificando a longa permanência, a manutenção da internação em instituição asilar e o reconhecimento de um aprisionamento por tempo indeterminado que viola direitos, ao estender as reavaliações das pessoas com transtorno mental que cometeram um ato infracional e prever um tempo de internação maior do que três anos.

Documentos reveladores – Segundo Isabella Lima, em especial o Projeto de Lei nº 1.637-A/2019, em tramitação no Senado Federal, representa um retrocesso, pois prioriza a segregação em detrimento do tratamento comunitário. “Além disso, é incompatível com a legislação nacional e internacional de direitos humanos”, assinala a conselheira. O PL foi analisado durante o Seminário a partir da leitura do dossiê elaborado pela Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), o “Dossiê: Perigoso é o Manicômio. O que resolve é o cuidado em liberdade“.

Para sua fundamentação, o material aborda a história dos manicômios, os conceitos de “periculosidade” e “inimputabilidade”, e expõe as más condições dos HCTPs. “O dossiê defende a luta antimanicomial e a substituição dos HCTPs por uma rede de cuidados comunitários, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), alinhados à Lei Federal 10.216 (Lei da Reforma Psiquiátrica). Também destaca a Resolução nº 487/2023, reforçando a necessidade de cuidado humanizado e em consonância com os direitos das pessoas em sofrimento psíquico. Esta normativa do CNJ é um desdobramento da condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso de Damião Ximenes Lopes, morto dentro de uma clínica psiquiátrica privada contratada pelo Estado para prestar serviços pelo SUS”, relembra Isabella Lima.

A apresentação do Dossiê foi a primeira atividade do dia 22, no Seminário, no auditório Rosimeire Silva, na sede do CRP-MG. Participaram do diálogo Ana Marta Lobosque, psiquiatra, doutora em filosofia e militante da luta antimanicomial; e Virgílio de Mattos, graduado e mestre em Direito, especialista em Ciências Penais, e doutor em Evolução dos Direitos e Novos Direitos (Università degli Studi di Lecce – IT). A mediação foi feita pelo conselheiro do CRP-MG, Daniel Melo.

Inspeção – Na sequência foi promovida mesa dedicada à discussão sobre o Hospital Psiquiátrico e Judiciário Jorge Vaz, incluindo uma conversa sobre a inspeção feita no início deste ano. A atividade compôs a “Inspeção Nacional em Direitos Humanos – Desinstitucionalização dos Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (ECTPs) do CFP”. Participaram Afrânio Nardy, juiz da Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, da Central de Execução de Medidas de Segurança (Cemes) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e do Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF); Camila dos Santos, graduada em Psicologia, especialista em saúde mental e integrante da Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos e do Fórum Mineiro de Saúde Mental; e Bárbara Faria, graduada em Direito, mestranda em Psicologia Social com pesquisa sobre o trabalho de psicólogos(as) e assistentes sociais do Manicômio Judiciário de Barbacena. A conselheira Isabella Lima fez a mediação da mesa.

Entre as recomendações constantes no relatório sobre o Hospital Jorge Vaz está a urgência em concretizar a inspeção, com a escuta das pessoas privadas de liberdade, a revisão de todos os Projetos Terapêuticos Singulares (PTS), com prioridade para as pessoas que estão internadas há um longo período e ainda não possuem o documento, entrevista a ser realizada com a perita responsável pelas avaliações psiquiátricas, a fim de compreender os critérios, metodologias e fundamentações utilizados nos laudos. A desinstitucionalização é outro ponto relatado que demanda prioridade, especialmente para as pessoas com alvará de soltura, garantindo articulação com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Ao final do Seminário o relatório foi entregue para Romina Moreira de Magalhães Gomes, coordenadora Técnica do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ), do TJMG; deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL-MG), atual presidenta dao Comissão; e para o juiz Afrânio Nardy.

Arte – A partir da parceria do grupo organizador com a Comissão de Orientação em Psicologia, Gênero e Diversidade Sexual, o Seminário foi aberto durante sessão especial do Cine Diversidade. Clique aqui para ler matéria sobre a atividade.



– CRP PELO INTERIOR –