22 maio Seminário sobre Medicalização é destaque no Leste de Minas
O I Seminário sobre Medicalização da Educação e da Sociedade do Leste de Minas Gerais teve início hoje, 22/05, mas há sete dias as inscrições precisaram ser encerradas. É que a lotação do auditório do Colégio Estadual de Governador Valadares, de 330 lugares, já havia sido completada e uma lista de 120 inscritos se formava para eventuais desistências.
“Estamos pensando em colocar um telão em outro auditório para essas pessoas poderem assistir”, explicava o conselheiro do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP/MG) e psicólogo da Rede de Saúde Mental de Governador Valadares Marcus Macedo da Silva. Ele trabalha na organização do evento e admite que ficou surpreso com a procura.
“Acho que esse interesse reflete a preocupação das pessoas com a medicalização”, disse. O interesse, nesse caso, tem contornos de um movimento que começa a tomar conta da sociedade, especialmente de educadores e profissionais da saúde. A coordenação da interiorização do movimento fica por conta dos núcleos do Fórum Nacional sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. Em Minas, eles já são três, contando com o Núcleo Estadual e os núcleos do Triângulo Mineiro e do Leste de Minas, criado no começo do ano passado.
Na verdade, a procura pelo Seminário também se explica por um trabalho de divulgação articulado. “Contatamos a Secretaria de Estado da Saúde (SES/MG) e todas as secretarias de saúde das cidades do Leste de Minas”, detalha Marcus. Para se ter ideia do envolvimento provocado, todas as 55 escolas de Governador Valadares se comprometeram a enviar um representante.
Explica-se: prolifera nas salas de aula o número de alunos medicados com a Ritalina, indicada nos casos de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Entre 2011 e 2012, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) registrou aumento de 75% no consumo da droga. Sintomaticamente, o consumo cai nos períodos de férias.
“Muitas vezes, o diagnóstico para as crianças identificadas com o transtorno pode ser equivocado em razão de uma metodologia escolar inadequada que leva ao mau desempenho e até por desatenção mais comum naquela idade”, salienta o psicólogo. Como ele lembra, os efeitos da droga são nocivos para os jovens que passam a sofrer de robotização do comportamento como conseqüência do uso constante da Ritalina, também conhecida como efeito zumbi.
O Seminário do Leste é um exemplo da resistência que setores da sociedade começam a esboçar contra a medicalização excessiva. Em âmbito mundial, o psicólogo cita o Movimento Stop DSM, liderado por psicanalistas de Brasil, França e Argentina e o Comitê Internacional de Resposta ao DSM 5, representado pela Associação norte-americana de Psicologia e pela Associação de Psicologia Humanista do Reino Unido.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), lançado em quinta edição no final de semana pela Associação Americana de Psiquiatria, elevou o número de transtornos mentais catalogados, de 265 (1980) para 450. “Para cada novo transtorno cria-se a possibilidade de um medicamento específico”, aponta, indicando o estreito vínculo entre diagnósticos de sofrimento mental e os investimentos da indústria farmacêutica.
Marcus ressalta que a pesquisa realizada pelo Sindicato dos Farmacêuticos do Estado de Minas Gerais (Sinfarmig), sobre Hipermedicalização dos Conflitos Sociais em cidades do interior do estado, em janeiro, também contribuiu para a decisão de realizar o I Seminário sobre medicalização do Leste mineiro.
Consciência cresce, mas fiscalização de medicamentos ainda é deficiente no país
O diretor do Sindicato dos Farmacêuticos do Estado de Minas Gerais (Sinfarmig), Rilke Novato, que participa do I Seminário sobre Medicalização da Educação e da Sociedade do Leste, elogia a iniciativa do seminário, lembrando a parceria já antiga entre as entidades. “Os psicólogos sempre estiveram juntos com o Sinfarmig na defesa do uso racional dos medicamentos, inclusive a criação do Fórum Nacional sobre Medicalização da Educação e da Sociedade é uma iniciativa desses profissionais”.
Rilke avalia que a consciência sobre o uso indiscriminado de remédios cresce no país depois de várias ações importantes, sendo que a primeira data de quase uma década e meia atrás.Ele lembra que, em 1995, aconteceu a primeira grande campanha nacional para conscientizar a população cujo efeito de alerta foi potencializado pelo escândalo dos medicamentos falsificados em 1998.
Um ano depois, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) seria criada para atuar no controle de produtos e serviços e daria ênfase na qualidade dos medicamentos. Também em 1999, a Lei dos Genéricos jogava mais luz sobre o assunto.
Outro grande evento aconteceu em 2003, com a Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, que precedida por conferências estaduais e municipais, reuniu mais de 1500 delegados de várias partes do país.
Como ressalta o diretor, os avanços para o consumo consciente de medicamentos são visíveis, mas a força da indústria farmacêutica se traduz em estratégias que, somadas à cultura da automedicação dos brasileiros, faz o país ser o 5º do mundo em uso de remédios. “A indústria farmacêutica movimenta R$ 62 bilhões no país e estamos prestes a ultrapassar a Inglaterra, hoje 4º maior consumidor, se o uso se mantiver nesse ritmo até 2015”, diz Rilke.
Por isso, o enfoque das campanhas do Sinfarmig no momento está nas ações da indústria que podem passar despercebidas pela sociedade. A primeira delas é a estratégia dos fabricantes de medicamentos de “destarjar” medicamentos de tarja vermelha, passando-os para a categoria de venda livre. Um exemplo bem conhecido é o da Neolsaldina, anunciado popularmente nas propagandas de TV e de outdoor como uma simpática amiga, a Neosa. “A Anvisa justificou a venda livre como sendo decorrente de uma tendência mundial para permitir o acesso do medicamento”, explica.
O outro ponto que as campanhas pelo uso racional de medicamentos está mirando é o trabalho direto da indústria com o prescritor por meio dos propagandistas e também por meio de artigos que visam a convencer os médicos da eficácia dos fármacos. Rilke destaca que 90% dos médicos são alvo das propagandas dos laboratórios no Brasil; ficamos bem próximos dos Estados Unidos onde 98% dos médicos sofrem assédio constante da indústria farmacêutica.
O farmacêutico pede mais controle por parte dos órgãos fiscalizadores – “porque legislação nós temos” e também a intensificação das campanhas pelo consumo consciente de que é exemplo o I Seminário sobre Medicalização da Educação e da Sociedade do Leste de Minas Gerais
Fonte: SINFARMIG