Violência de Estado é debatida em evento promovido pelo CRP-MG

“Os novos ‘fora da ordem’ e a fragilidade da democracia brasileira – qual a face do Estado que se apresenta para a juventude hoje?” foi o título do evento realizado pelo Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG), em sua sede, na segunda-feira (27). O encontro integrou a programação do Ciclo de Debates promovido pela Comissão de Direitos Humanos do CRP-MG. Contou com a convidada Áurea Carolina, cientista política, educadora popular e ativista de movimentos negros, feministas, da juventude e da cidade e integrante do Fórum das Juventudes; com o rapper Fabrício FBC; e ainda com José Luiz Quadros Magalhães, mestre em Direito, professor titular da PUC Minas, professor associado da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador regional da Rede pelo Constitucionalismo Democrático Latino-Americano. A psicóloga e integrante da Comissão de Direitos Humanos do CRP-MG, Débora Matoso Costa, mediou o debate.

Ao abrir o evento, Débora Matoso falou sobre o trabalho da Comissão de Direitos Humanos do CRP-MG e o relacionou ao tema em debate. “A Comissão vem se reunindo periodicamente. E nas diversas demandas que atende, além dos debates que participa, foi percebendo que a violação de direitos tem relação com a violência de Estado, que muitas vezes também se relaciona com a violência policial e com a negligência do próprio Estado”, explicou. “Trata-se de uma questão que nos interessa de perto. Vivemos uma certa banalidade da violência e não vemos espaço para diálogo. Então isso nos convoca a realizar essa mesa de hoje”, concluiu.

Políticas públicas –
 A primeira convidada a se apresentar foi Áurea Carolina. Ela abordou as formas de resistência que atravessam as juventudes, no que diz respeito à violência de Estado, apresentando sua trajetória como ativista. “Acompanhei toda a linha geradora desse argumento que jovens são sujeitos de direitos, protagonistas, colocando a participação juvenil como um fim em si. E como foi o desencadeamento de importantes ações na estruturação de um conjunto de políticas que tem a ver com a inclusão do jovem na Constituição Federal, culminando na sanção do Estatuto da Juventude, em 2013”, contou.

A cientista política alertou para o fato das ameaças do governo federal interino à estruturação formal de políticas públicas que culminariam na implementação de um sistema nacional de juventudes a exemplo do Sistema Único de Saúde e do Sistema Único de Assistência Social. Segundo Áurea Carolina, esse seria um passo fundamental para que as políticas tivessem continuidade independente das vontades dos governantes e um sentido absoluto de integrá-las às políticas de saúde, educação, comunicação, perspectiva de gênero e raça.

Áurea Carolina também explicou que a criação do Fórum das Juventudes de Belo Horizonte, em 2004, tinha com objetivo articular organizações diversas formadas por jovens independentes para reforçar a luta pelos direitos das juventudes e potencializar a participação em diferentes contextos. A partir de então foi lançada uma plataforma de enfrentamento às violências. “Falamos do fim do genocídio da juventude negra – tragédia mais gritante de violação de direitos da juventude do Brasil. Vidas que não contam, que não importam porque o jovem negro é apresentado na mídia tradicional como potencialmente perigoso. Que nem sequer são percebidos como sujeitos. Envolve a discussão do modelo de segurança pública, que é de repressão, de policiamento ostensivo. Discutimos um outro modelo da política sobre drogas porque é motor do genocídio e articulamos a democratização dos meios de comunicação para tentar converter esse imaginário negativo de estereótipos, buscando garantir a pluralidade de vozes, a democracia real ”, concluiu  a cientista política.

Confronto de ideias – Para fazer um contraponto no debate, o rapper MC Fabrício colocou sua opinião de que a violência de Estado é necessária. “Tenho mais medo do bandido que da polícia. Moro em uma ocupação onde não tem água, luz, asfalto e o tráfico não pode ser contrariado de forma alguma. Trabalho o dia todo sem saber o que está acontecendo perto de casa. É a polícia que salva minha família. Falar de violência de Estado é confrontar vocês. O adolescente armado está a serviço de uma pessoa sádica, que não conhece valores, não conhece amor ao próximo, o que é viver em comunidade”, ponderou.

MC Fabrício chamou a atenção para as diversas formas de violência que a população de baixa renda é submetida diariamente. “Quando meu filho nasceu a médica disse para minha esposa: não chora não, que ano que vem você vai estar aqui de novo. Isso, para mim, é violência de Estado. Quando a atendente do posto de saúde nos trata mal porque somos pobres, isso é violência de Estado. O medo que vivemos de perder emprego, casa, o que conquistamos é uma violência de Estado. A vida que vemos na televisão e que não conseguimos ter é uma violência de Estado”, afirmou.

Para o rapper, a solução está na educação, no cuidado “para que outra criança não sofra bullying, outra mulher não seja violentada psicologicamente. Como respeitar o professor que a polícia espanca? A educação precisa ser levada a sério. A violência está mais na população que no Estado. Ele só faz a manutenção”, concluiu MC Fabrício.

Sistema que produz violências – Ao encerrar a fase de apresentações, o professor José Luiz Quadros convocou os participantes a entenderem o que está por traz dos interesses do Estado:  “não existem políticas para combater as violências simbólicas e permanentes. Enquanto não enxergarmos quais são, não conseguiremos combatê-las. E precisamos antes de tudo ver que quem tem o poder é que institui o que é crime”. Segundo ele, o Sistema é o produtor da violência por meio da desigualdade, da sua estrutura corrupta.

“Esse Estado moderno é um projeto de poder muito específico. Ele precisa normalizar todo mundo para que as pessoas reconheçam seu poder. Ele inventa a moeda nacional, o exército, a polícia. É toda uma estrutura que tem uma razão de ser. Como as pessoas devem se comportar, pensar, agir. Quem vai contra é uma ameaça. Ele serve à nobreza e ao capital”, finalizou José Luiz Quadros.



– CRP PELO INTERIOR –