Entrevista: Rima Awada fala sobre a contribuição da Psicologia nos contextos de migração no Brasil

Psicóloga também dá mais informações sobre o 1º Congresso Brasileiro de Psicologia e Migração

O fluxo migratório se intensificou na última década em todo mundo, provocado, em grande medida, por pessoas que fogem de guerras, da miséria ou de catástrofes ambientais. No Brasil não é diferente: só em 2022, foram 243,2 mil novos registros de autorização de residência no país, segundo relatório divulgado pelo Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra). No mesmo ano, o Brasil recebeu 50.3558 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado, totalizando 348.067 pedidos protocolados desde 2011, com destaque para a maior presença de mulheres, crianças e adolescentes nos últimos anos.

Com o objetivo de refletir sobre a contribuição da Psicologia nesse contexto, o Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais (CRP-MG) vai realizar o 1º Congresso Brasileiro de Psicologia e Migração (CBPM) – Por uma sociedade sem fronteiras, em parceria com o Conselho Federal de Psicologia (CFP), a PUC Minas e o Coletivo de profissionais da Psicologia que atuam com migração (Psimigra). O evento vai ocorrer de 18 a 21 de junho, em Belo Horizonte (PUC Minas – Unidade Praça da Liberdade).

Para falar mais sobre esse encontro, entrevistamos a psicóloga integrante da coordenação do Congresso, Rima Awada Zahra. Ela também é representante do Conselho Federal de Psicologia (CFP) na Frente Nacional pela Saúde de Migrantes (FENAMI).

Estamos próximos de realizar o primeiro Congresso Brasileiro de Psicologia e Migração. Qual o principal desafio quando se fala em migração no Brasil?

O Brasil é um país que tem uma tradição de acolhida de migrantes, e, segundo dados mais recentes, há quase dois milhões de migrantes vivendo aqui. Nos últimos anos, o país também tem recebido um contingente muito grande de refugiados. São mais de 730 mil pessoas vindas de mais de 100 países, com necessidade de proteção internacional. Esse cenário nos chama à ação imediata, porém é na construção de políticas públicas sustentáveis que reside nossa capacidade de promover uma mudança duradoura. Apesar de muito avançado em termos de normativas migratórias, ainda carecemos de políticas públicas capazes de efetivamente proteger pessoas migrantes e refugiadas e garantir o pleno exercício de seus direitos previstos em legislação nacional e internacional.

E de que forma a Psicologia se relaciona com a temática?

Atender populações vulneráveis exige o deslocamento de lugares e de saberes já consolidados no campo da Psicologia, o que se potencializa no atendimento de migrantes e refugiados. As migrações internacionais recentes têm requerido da Psicologia a construção de referências para a atuação profissional, e isso não ocorre sem a produção de novos conhecimentos sobre essas populações e sujeitos. As migrações fazem com que a gente lance um olhar para esse público, que demanda o reconhecimento e o entendimento de suas particularidades. A diversidade sociocultural dessas comunidades coloca novos impasses e enseja novas reflexões teórico-práticas a diversas profissões e áreas do conhecimento, dentre elas a Psicologia.

Por quê realizar um Congresso? Qual a importância desse encontro?

O tema das migrações, ao lado das mudanças climáticas, será definidor da nossa humanidade neste século. A migração é um movimento que dá sentido à própria razão de ser da humanidade. Estamos falando sobre as formas de continuar existindo, e isso se revela no sentido mais potente do que nós chamamos de direitos humanos. Frente ao aumento do fluxo migratório que estamos vivenciando, faz-se necessário pensar como a Psicologia pode contribuir, tendo em vista a sua relevância para pensar os processos subjetivos e psicossociais e a sua importância na promoção da saúde desses sujeitos que se deslocam, de maneira forçada ou voluntária.

Como foram pensadas as atividades?

Estamos diante do acirramento de um conjunto muito complexo de processos subjetivos, que concorrem não só para a desumanização de muitos povos, mas também para a destituição do reconhecimento de humanidade desses povos. Por isso trouxemos para o congresso mesas, conferências e encontros que contemplam uma série de exemplos da desumanização que assola vários países e povos, especialmente a questão Palestina, que, neste ano, representa a face mais atualizada e trágica do desenvolvimento do colonialismo e dos seus desdobramentos. A proposta é pensarmos o lugar da Psicologia frente às migrações, numa reflexão conjunta, horizontal e democrática sobre o compromisso ético-político das psicólogas e dos psicólogos do Brasil, diante dos processos de desumanização contemporâneos expressos, em sua maneira mais emblemática e dramática, embora não exclusiva, no corrente genocídio que testemunhamos na Palestina.

Pode falar um pouco sobre a conferência principal?

Nossa conferencista principal será a Dra. Samah Jabr, psiquiatra e psicoterapeuta palestina, chefe da unidade de saúde mental que supervisiona todas as atividades de saúde mental na Cisjordânia. Dra. Samah lançou recentemente o documentário Além das histórias na linha de frente, que trata da resistência e da resiliência na Palestina e foi gentilmente disponibilizado pela diretora para apresentação no congresso. Com a Dra. Samah Jabr queremos refletir e dialogar sobre alguns dos fenômenos mais perturbadores de nossos tempos: a hegemonia da violência, que coloca em risco toda a estrutura protetiva internacional da dignidade humana, e o dia a dia dos profissionais de saúde mental, que trabalham em regime de apartheid e enfrentam diariamente crimes contra a humanidade.

Segue aberta a submissão de trabalhos. Qual a expectativa em relação a esses estudos?

O 1º Congresso Brasileiro de Psicologia e Migração será um encontro de troca de experiências. Queremos conhecer, produzir e disseminar o conhecimento no campo da Psicologia e migração, em todo território nacional. Os grupos de trabalho contemplam discussões inovadoras, reflexões sobre as práticas e intervenções, no Brasil e no mundo, por intermédio das experiências nacionais e internacionais no campo da Psicologia e da migração. Desejo que nossas discussões sejam frutíferas, para que juntos possamos, não apenas responder os desafios de hoje, mas construir as soluções de amanhã.

Qual a principal e contribuição que o 1º Congresso Brasileiro de Psicologia e Migração pretende deixar para a Psicologia e para a sociedade?

A migração precisa ser abordada em todas as suas dimensões. Vivemos uma era de mobilidade humana sem precedentes e o Brasil é um país fortemente conectado a essa dinâmica. Por meio desse debate contemporâneo, estamos expressando nossa visão de mundo, de direitos, de tolerância e de liberdade. Estamos falando de humanidade, de civilidade e de respeito ao ser humano, independente de qual país ele seja. Como dizia Fanon em Os condenados da Terra, “é necessário decidir, a partir deste momento, uma mudança de rumo. A grande noite em que estivemos submersos, é preciso sacudi-la e sair dela. O novo dia que já se descobre, deve encontrar-nos firmes, despertos e resolutos”.

Inscrições para participação no Congresso

A participação no 1º CBPM é gratuita e aberta aos profissionais de Psicologia e demais profissionais da área de saúde mental, universitárias(os), sociedade civil e instituições que atuam com a temática da migração e público em geral.

No momento, estão abertas somente as submissões de trabalho. As inscrições para participação no evento serão abertas no dia 20 de maio. Todas as informações serão divulgadas no site e nas redes sociais do CRP-MG. Acompanhe.

Agenda

1º Congresso Brasileiro de Psicologia e Migração (CBPM) – Por uma sociedade sem fronteiras
Data: 18 a 21 de junho de 2024
Local: PUC Minas – Unidade Praça da Liberdade (Rua Sergipe, 790, Funcionários, Belo Horizonte/MG)
Inscrições para submissão de trabalho: abertas até 06/05. Mais informações disponíveis no Aviso de Chamada Pública
Inscrições para participação no Congresso: a partir de 20/05
Dúvidas: evento@crp04.org.br



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